quarta-feira, 29 de junho de 2011

A VICENÇA

         Era uma negra alta, esguia, de feições até bonitas para os padrões de beleza de sua raça. Ainda mocinha veio para a companhia de nossa família. Primeiro com a Dindinha (Hermelinda), depois, com o desaparecimento desta, passou para a nossa casa onde prestou relevante ajuda até o final de sua vida.
         Excelente cozinheira, embora não fosse especialista em pratos sofisticados, fazia com perfeição a comida trivial de uma família de classe média. A Vicença torrava e passava um café que ficava com sabor diferente, até com efeitos medicinais, pois a Zisile conta que inúmeras vezes ia até a cozinha para tomar um cafezinho passado por ela, e assim curar dores de cabeça.
         Passou a vida inteira falando sozinha, pronunciando palavras quase que imperceptíveis, parece que tinha a mente perturbada por algum tipo de problema que ninguém jamais pode descobrir. Ficou solteira toda a vida. Não quis saber de casamento. Dizem os mais antigos que chegou a ficar noiva, mas, na festa do noivado, no interior, no meio da maior alegria, quando estava dançando com o noivo, este lhe segredou qualquer coisa ao ouvido, ocasião em que ela o empurrou, afastando-se definitivamente dele, daí para a frente nunca teve o juízo perfeito.
         Gostava imensamente de fumar cachimbo, hábito que lhe causou muitos  aborrecimentos, pois a Dindinha não tolerava o cheiro do fumo. Muitas vezes, o Tunim, meu avô, dizia:
         -  Deixa a pobre negra fumar, Hermelinda, é o que ela gosta.
         Ela se afastava mais para o fundo do quintal e continuava fumando.
         Os seus últimos dias foram vividos em Teresina, conosco, onde foi vítima de um colapso cardíaco durante a noite. Estava a Itinha em visita aos filhos que lá estudavam e, já ao amanhecer, ouviu um barulho estranho no quarto da Vicença e chamou a atenção dos demais familiares. Era tarde, tinha completado os seus dias neste mundo uma criatura que nasceu para servir.
         Que Deus a ilumine e guarde.

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