quarta-feira, 29 de junho de 2011

OS “MORRINHOS”

         Era uma pequena fazenda de gado que tínhamos distante duas léguas de Balsas, rio abaixo. Descrever aquilo com as tintas que tenho no coração é impossível. Ali está uma parte de minha vida, o período de ouro da minha existência. Recordações da infância, coisas que se passaram num tempo muito distante e que ficam marcadas indelevelmente até que a morte destrua tudo. Morrinhos é, assim, uma lembrança, uma grata recordação que continua viva.       Quantas e quantas vezes passamos lá maravilhosos dias de férias, em alegre companhia de meus pais, naquele tempo em que a gente tinha toda a felicidade do mundo e não sabia. Tempo de criança, tempo de alegria franca, tempos que não voltam mais.
          Ainda  há pouco tempo convidei o meu amigo Gil Leitão para me levar até lá em embarcação de sua propriedade. Em alguns minutos revi tudo. Veio à minha mente, em apenas um lapso de tempo, muitas cenas que estavam guardadas no meu íntimo, tantas e tantas coisas que recordo com saudade.
         Mas existem também as lembranças as lembranças amargas. Nem tudo na vida são flores. É preciso ter consciência de que existem os espinhos. No turbilhão da vida existem os vendavais, existem os momentos que nos causam tristezas.
         Pois foi ali nos “Morrinhos”, que eu vi o meu saudoso Pai ser esporado por uma arraia. Lembro-me da dificuldade que ele teve para se deslocar até a casa da fazenda, do alvoroço provocado na família, do seu enorme sofrimento.
         A chegada do meu tio Cazuza, com o permanganato - que aliviou as dores - a aflição de minha Mãe, sem recursos médicos para atendê-lo, tudo continua vivo na minha memória. Bem que gostaria de esquecer, mas não posso.
         Outra cena que não sai, que permanece viva, é o último esforço que meu Pai para voltar a Balsas quando já se encontrava gravemente enfermo; tentou montar a cavalo, deu uma pequena volta pelo pátio e voltou desolado:
         -  Não agüento mais, foram as suas palavras.
         Teve que ser transportado numa cadeira preguiçosa, conduzida por quatro pessoas amigas. O meu tio Cazuza comandou a operação. Dois quilômetros de dura caminhada. O meu tio Rosa ia na frente cortando os galhos de árvores que atrapalhavam o triste cortejo.
         Aqui e ali uma parada para descanso dos homens que o conduziam naquela difícil jornada. Numa dessas paradas o meu Pai demonstrou uma faceta de seu caráter: estava em pleno mato, no meio do sertão. Sentiu vontade ou necessidade de escarrar e teve o cuidado de levantar uma pedra, para não deixar ao relento o bacilo de que era portador. A minha irmã fez esta pergunta:
         -  Escrúpulo ou santidade?
         Agora está tudo acabado. Na última visita que fiz aos Morrinhos, mal fui ouvido pelo atual proprietário. Um senhor de idade recebeu-me com incrível frieza. Com certeza não imaginava o que se passava no coração daquele outro velho com quem falava.
         Perguntei a ele:
         -  De quem o senhor comprou esta fazenda?.
         E veio uma resposta fria, que amargurou o meu coração:
         -  Não sei, não conheci os seus antigos donos.  A vida é assim mesmo, pensei...

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