Rio: curso de água natural, de extensão mais ou menos considerável, que se desloca de um nível elevado para outro mais baixo, aumentando progressivamente até desaguar no mar, num lago ou noutro rio e cujas características dependem do relevo, do regime de águas. Muito bem, esta é a definição pura e simples que nos dá o grande mestre Aurélio.
O rio de que vou falar nestas linhas é muito mais do que isso. Está diretamente ligado à minha vida. É um repositório de recordações. Já ouvi alguém dizer, não sei quem e nem onde, que todo homem tem um rio em sua vida. Eu tenho o meu: é o Rio Balsas.
Durante muitos e muitos anos foi a principal via de comunicação ligando nossa cidade aos centros urbanos, com os quais mantínhamos relações, tanto comerciais como culturais. Via navegável que nos prestou os mais relevantes serviços. Não fosse o Rio Balsas o progresso teria chegado muito mais tarde, sei lá quando.
Através dele, em viagens que duravam até meses, lutando contra a corredeira de suas águas, vencendo dificuldades de toda ordem, inclusive usando o penoso recurso das espiadas (*) era que recebíamos a mercadoria para o comércio, os mantimentos, os bens de consumo etc.
No dia da chegada de qualquer uma daquelas embarcações era uma verdadeira festa para a cidade. E aqui vão os nomes de algumas, só para relembrar: “Chile”(antigo Netuno), “15 de Novembro”, “Joaquim Cruz”, “Tambo”, “Brasileira”, “Nazira”, motor “Pedro Ivo” e tantos outros que não me recordo.
Era também a certeza de que íamos ter novidades, gente nova, assunto para muitos dias. Os marinheiros, tripulação dos barcos, que o povo resolveu batizar de “porcos d’água”, eram atração e motivo de comentários.
As viagens de volta eram diferentes. - “pra baixo todo santo ajuda”. Um, dois e até três meses que se gastava para percorrer de Parnaíba a Balsas na subida do rio, na volta era uma beleza, com a ajuda da correnteza não havia obstáculo.
Quando soube que eu estava escrevendo este pequeno comentário, a minha irmã Maria de Lourdes, outra que também é apaixonada pelas coisas de Balsas, pediu-me parta fazer referência a uma viagem de que participou, na qual demorou vinte dois dias para fazer o percurso de Teresina à Nova Iorque. Sabe lá o que é isso! Hoje em dia, qualquer demorazinha de algumas horas é motivo para reclamações.
Os comandantes das embarcações eram pessoas abnegadas, procuravam impor uma certa disciplina na tripulação, evitando acontecimentos desagradáveis nas cidades por onde passavam.
Essas tripulações quase sempre eram compostas por homens rudes, que efetuavam um trabalho duro e difícil.
Lembro-me dos nomes de alguns desses comandantes e vou decliná-los aqui, como um pretexto de homenagem a esses heróis de tantas jornadas, no vai-e-vem daquelas embarcações, rio abaixo, rio acima. Viagens cansativas, longas, cheias de toda sorte de dificuldades. Eis alguns de que me recordo: Félix Pessoa (comandante e empresário), Petrônio Oliveira (também proprietário), João Clímaco da Silva (um dos mais notáveis da época), Benedito Freitas (muito engraçado, estava sempre de bom humor e disposto a brincadeiras), Luís Barbosa (comandante e mecânico de grande competência), Thomas Pearce (um dos primeiros a desembarcar em Balsas).
Permitam-me citar aqui o nome do meu primo e amigo Esmaragdo de Souza e Silva, esse que hoje é um dos mais brilhantes desembargadores do Tribunal de Justiça do Maranhão, que também está nesta história. Viajou pouco tempo, mais nem por isso deixou de participar da luta. Em certa ocasião um “motor” de sua propriedade sofreu uma pane muito forte e ele teve que manter toda a tripulação à custa de caça, isto durante vinte e tantos dias. Com a construção da Barragem da Boa Esperança entrou em declínio a navegação do Rio Balsas e tudo se acabou. Vejam que contraste: com a Boa Esperança foram-se as esperanças de muita gente.
(*) espiada: consistia em amarrar cabos de aço às árvores, para que com a ajuda de um motor auxiliar (guincho), aumentasse a força dos motores das embarcações.
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