quarta-feira, 29 de junho de 2011

Homenagem a Alberto Ribeiro da Silva (in memorian)


Considerações iniciais aos amigos e parentes


Alberto Ribeiro da Silva
Com era intenção de meu pai, Alberto Ribeiro da Silva, registrar sua história de vida, criei este blog em sua homenagem, com o objetivo de transmitir aos parentes e amigos sua história e fatos que marcaram sua presença nos diversos locais onde esteve presente. Particularmente o papai se refere neste primeiro livro, chamado “O Meu Depoimento” às pessoas e histórias que se passaram em Balsas, Maranhão.

                            João Ribeiro da Silva Neto


Conforme suas próprias palavras – Longe de mim a pretensão de escrever um livro, na verdadeira acepção da palavra. Reconheço a minha limitação e por isso mesmo ficarei muito contente se conseguir passar para o papel alguns fragmentos da minha memória, alguma coisa que tenho na mente e que gostaria que não ficasse inteiramente perdida no turbilhão da vida.” Pretendo abordar os seguintes temas: ...

O blog manteve na íntegra todos os capítulos do livro, na seguinte ordem:

         - meu depoimento;
         - a família;
         - flagrantes da vida balsense;
         - flagrantes do Piauí;
         - flagrantes do Ceará;
         - flagrantes de São Paulo;
         - flagrantes diversos.

E continuou o papai dizendo que: “O que me interessa mesmo é fazer um registro dos acontecimentos, uns diretamente ligados à minha pessoa, outros aos meus familiares e muitos outros que estavam na minha mente e que eu desejo transmitir, passar para frente”.



Alberto Ribeiro da Silva - 25/07/1919  +05/04/2001

Alberto Ribeiro da Silva, nascido em Balsas, Maranhão, chegou a Messejana em 1963, vindo de São Paulo, onde trabalhou como Contabilista. Em Messejana, entre suas atribuições de trabalho na área contábil, foi o apoiador inconteste do Conjunto Musical Big Brasa, que fez sucesso em Fortaleza, Ceará e em outros Estados nos Anos 60, juntamente com sua esposa Zisile.

Sócio proprietário do Balneário Clube de Messejana, também foi chegou a integrar a diretoria do Clube, época que lutou contra diversos preconceitos existentes, tais como entrada de jogador de futebol no clube, dentre outros. No Balneário ajudou a elaborar seus Estatutos e contribuiu muito com idéias inovadoras e promoções de festas inesquecíveis, ao som do Conjunto Big Brasa. Todos que tiveram o prazer de conhecê-lo ainda hoje guardam boas lembranças na memória.

O texto abaixo, sobre o Mestre Alberto, como ele era conhecido, foi escrito por Luiz Antônio Alencar, músico do Conjunto Big Brasa, e hoje jornalista.  Há também o depoimento de Lucius Maia Araújo, auditor federal e também ex-integrante do Big Brasa, em carta escrita a seu filho João Ribeiro (conhecido como Beiró, no meio musical), logo após sua partida.  

 * Alberto Ribeiro da Silva escreveu dois livros (Meu Depoimento e Uma Lição de Vida) os quais estarão disponíveis para download em breve no Portal Messejana.

Depoimento de Luiz Antonio Alencar

Alberto Ribeiro da Silva era, e ainda é uma lição de vida em todos os aspectos. Em tudo que ele fazia e falava tinha um ensinamento embutido, e isso fez com que a gente que ainda hoje faz parte da família Big Brasa (estados de espíritos são entidades que se eternizam) tenha retido lições e posicionamentos diante da vida que ainda hoje em dia norteiam a nossa vida pessoal e profissional.

Particularmente, seu exemplo de vitalidade, entusiasmo, amor e fé, me marcaram até hoje, com a grande máxima de que a juventude se mantém através desses atributos que o Mestre Alberto tinha de sobra. Acreditar no ser humano e amar acima de tudo era o mote do Mestre Alberto. Mesmo com toda a sua sabedoria e prudência, ele sempre deixava o coração falar bem alto, e como falava.

O Conjunto Musical Big Brasa foi um momento marcante na vida de seus participantes e das pessoas que o conheceram, o Mestre Alberto foi o momento marcante e definitivo na vida do big brasa.  Era uma banda, ou conjunto, como a gente chamava na época, que fazia  sucesso no Ceará e em outros estados através de apresentações da televisão mesmo incipiente e preto e branco na época, mas não menos mágica.

O Mestre Alberto regia mentalmente a banda, uma espécie de maestro atuando em outras esferas da mente e do espírito. Quando passeava pelos clubes em que a gente tocava, simples, tranqüilo e despojado e com a humildade das grandes almas, de repente como se tocado por um raio invisível, se transfigurava quando executávamos uma música que o agradava. A banda toda junta não conseguia condensar tanta energia. Era o famoso ágape, que é como os gregos chamavam aquele amor por tudo e por todos que faz arder os seres iluminados.

O Big Brasa por conta dele, e das experiências que ele a própria banda em si proporcionaram, se tornou uma grande escola, e o Mestre Alberto sempre será um supremo representante da raça humano, um homem que muito fez, muito construiu, totalmente desprovido do manto de chumbo da vaidade que esmaga a essência de tudo que há de mais belo na alma humana.

O Mestre Alberto estava e ainda está acima dessas coisas todas, como filósofo nato e roqueiro honorário e de alma.

Encerrando, eu particularmente prefiro mascarar a triste realidade da partida do Mestre Alberto para outro oriente, achando que ele está mesmo é no Balsas, como ele chamava, muito bem obrigado e ouvindo as músicas que o Big Brasa tocava.

“É isso aí, mestre”, como ele falava.


(Trechos da carta de Lucius Maia, ex-integrante do Conjunto Musical Big Brasa e amigo da família dirigida ao filho João Ribeiro)

MESTRE ALBERTO ESTÁ VIVO

Caro amigo “Beiró” (João Ribeiro)

Não sei o que te dizer. Mas sinto necessidade de falar o que, de coração, for surgindo dos meus sentimentos. Dá para imaginar, bem sei o que você está sentindo nesse momento e também toda a sua família.

Foi terrível receber a notícia, pela esposa do Alberto Neto. Fiquei muito triste. O Mestre Alberto, além de seu pai, além de ser o seu grande  exemplo de  caráter, de bondade e tudo o mais, era e é, realmente, uma pessoa muitíssimo especial. Dessas que, sabemos bem, estão cada vez mais raras de serem encontradas. Nunca me deparei com alguém que, a propósito do Sr. Alberto, não fizesse questão de, sempre, adicionar algum tipo de comentário especial.

Além disso, ele significava, para muitos dos seus amigos – e eu entre eles -  um pouco de pai, durante aqueles anos maravilhosos que tivemos a sorte de conviver tão próximos. E isso fica pra sempre. Lembrar dele era  lembrar de uma pessoa realmente  especial, creia.

E quando se trata de nosso pai (como foi o caso da partida do papai também) a tristeza é ainda maior, dolorida mesmo. Mas, se posso te dizer algo de confortante, porque comigo foi assim, simplesmente o papai permaneceu ainda mais vivo na minha vida depois que ele se foi.

O tempo que leva para que isso aconteça não é assim muito imediato, pois a percepção gradual e real do significado da perda da presença física é muito, muito difícil.

É um vazio e mal-estar tão grande que a gente pensa que nunca vai se conformar. Mas pessoas como você, e eu, acho, temos uma base emocional e racional bastante elaborada (olha aí a presença deles de novo...) para entendermos o que existe de realmente natural nessas situações. Somos maiores dos que elas e, pela naturalidade do que representam, depois de certo tempo incorporam-se tranqüilamente em nossa aceitação verdadeira. Não há como ver tudo isso de maneira não natural - é tão simples quanto isso, mesmo que posso parecer presunçoso simplificar (no bom sentido) acontecimento tão complexo de nossas vidas.

Quando ainda estão entre nós a gente não costuma perceber o total da importância e felicidade que isso representa  porque simplesmente está tudo bem, tudo normal, ele está ali à disposição, do lado, por perto, presente... E nada mais natural do que seja  assim mesmo.

Quando partem, a sensação motivada pelo carinho e o amor que continuamos a sentir os traz de volta à mente muitas vezes mais do que era antes - eles ficam muito mais presentes, vivos, e os vemos em quase tudo com que nos deparamos no nosso dia-a-dia. A coisa mais comum que me acontece é sempre imaginar o meu papai, nas mais diferentes situações, quanto ao que diria ou faria se por aqui ainda estivesse.

Mais incrível ainda é a freqüência com que nos deparamos, com a maior consciência e introversão da verdade verdadeira mesmo de que nós mesmos somos muito do que eles eram (no nosso caso, com a sorte que tivemos como filhos por tratarem-se de homens realmente especiais, de densidade moral e virtudes absolutamente inquestionáveis...), de que assimilamos e somos de fato muito do que eles eram.

João Ribeiro e família: espero que vocês alcancem o sentimento de resignação que realmente está implícito em algo, infelizmente, tão natural nas nossas vidas. O mistério é muito grande...

Da lembrança que tenho do Mestre Alberto, imagino que ele não gostaria mesmo de ser motivo de sofrimento continuado por parte das pessoas que ele mais amou na vida.

O Mestre Alberto considerava que a vida havia sido muito boa para ele. E a vida foi boa para ele principalmente porque ele teve vocês, filhos, netos, esposa, amigos, que ele amava e, sempre, se dava o que tinha de melhor e recebeu também muito em troca.

Receba meus sinceros sentimentos, junto com Dona Zisile, Getúlio, Aliete, seus filhos, sobrinhos, primos e demais parentes.

Falamos-nos em breve. Grande abraço fraterno,



     Lucius Maia
     Em 06 de abril de 2001



(Resumo, extraído do livro o Meu Depoimento, de Alberto Ribeiro).



O Conjunto “Big Brasa” oficialmente foi fundado no dia 8 de março de 1967. A data da fundação foi uma homenagem ao Getúlio, que faz aniversário nesse dia. Estava eu tranqüilamente em casa, quando recebo a visita do João Ribeiro e seu grupo para solicitar a minha adesão à idéia. De início fui radicalmente contrário, mas, depois, com a interferência da Zisile, resolvi aceitar a tarefa e demos começo ao trabalho.

         No começo foi tudo muito difícil. Basta dizer que todos os instrumentos eram de segunda mão, inclusive alguns de fabricação caseira, como o caso das guitarras, feitas pelo Barretinho, um amigo que também era do ramo. A primeira bateria pertencia à “Charanga do Gumercindo” e já estava encostada como imprestável; recuperada convenientemente nos prestou grandes e inestimáveis serviços.

         Num verdadeiro rasgo de coragem aceitamos sair do Estado do Ceará, seguindo para cumprir contratos em Teresina, e posteriormente até Balsas. Sendo que foi o primeiro conjunto de guitarras a aparecer por aquelas bandas. Houve lá um episódio engraçado: no dia da chegada do Conjunto, em meio aos comentários que se fazia um tipo popular da cidade, chamado “Panelada”, me abordou na rua e perguntou:

         -”Seu Alberto, como é mesmo o nome dos instrumentos, é guitarra ou é tarraxa?” ao que respondi brincando:

         - É tarraxa, Panelada, é um conjunto de “tarraxas”.

         Depois de Balsas fomos até Carolina, em dois aviões “teco-teco” onde fizemos duas festas e algumas apresentações com bastante sucesso.

         Terminada a temporada no Sul do Maranhão voltamos de avião para Teresina, de onde pretendíamos seguir de ônibus de volta a Fortaleza. Para surpresa nossa não encontramos passagens e tivemos que voltar mesmo de avião, comprometendo todas as reservas obtidas na empreitada. Chegando a Fortaleza “mais liso do que calcanhar de cotia”, mas bastante satisfeitos, pois realizamos uma aventura muito gratificante.

         O Conjunto, posteriormente, recebeu convite para ir à São Luís, para fazer duas festas. Uma delas no Clube dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar, ocasião em que o seu Presidente era o pai da hoje famosa cantora Alcione. Naquela noite fomos solicitados a deixar que uma mocinha, filha do Presidente, cantasse algumas músicas acompanhadas pelo Conjunto, o que foi atendido com prazer.        Lá veio ela com seu vestido branco, pegou o microfone e cantou alguns números; sucesso total. Pois bem, essa mocinha não era outra senão a Alcione, antes de começar sua brilhante carreira, que todos conhecem muito bem. Em São Luís tocou também no “Cassino Maranhense”, uma festa bastante concorrida, dando cumprimento ao contrato. Tudo correu bem em São Luís, embora não se possa dizer, a bem da verdade, que tenha havido “estrondoso” sucesso. Era impossível, em face das condições materiais e da pouca experiência do Grupo.

         O João Ribeiro, na qualidade de guitarrista, já ensaiava os primeiros passos para se tornar mais tarde, na opinião geral, o maior guitarrista do Ceará. Isto era voz geral.

         O Conjunto participou de dois Festivais de Música Popular Nordestina, em Recife, acompanhando cantores da terra, sendo que a música cujo arranjo musical foi feito pelo João Ribeiro, obteve o segundo lugar. Decisão bastante contestada, visto que bem merecia o primeiro lugar. Esta foi a opinião de grande parte dos que participaram do referido Festival.

         Em certa ocasião, acompanhando o cantor Ednardo, numa apresentação no Teatro José de Alencar, o João Ribeiro conseguiu, acompanhando-o na guitarra e flauta, abafar por completo o brilho do dono da festa. Só se ouvia na platéia o grito: “Boa Beiró” - com muitas palmas para o acompanhante.

         Na temporada de Caxias houve um episódio que bem merece registro.  Foi o seguinte: em plena festa, quando o João Ribeiro tocava um dos seus melhores números, levantou-se um cidadão, comerciante local que não me lembro o nome, e disse, dirigindo-se à Zisile:

         - “Minha Senhora, o seu filho é um “ladrão” na guitarra”.

         No Maranhão essa é uma expressão carinhosa, diz-se que o camarada é “ladrão” quando é muito bom em determinada coisa. Foi tudo maravilhoso, pois como maranhense eu conhecia os costumes da terra.

         Acho de inteira justiça ressaltar a atuação da Zisile junto ao “Big Brasa”. Fez de tudo, desde tolerar os abusos de certos elementos que passaram por lá, que exigiam até o tipo de comida que deveriam ter (havia tempo em que alguns deles praticamente moravam aqui em nossa casa). Até a aquisição de material para o Conjunto, como foi o caso da primeira bateria “Pingüim”, comprada com o dinheiro dos bordados que fazia na época. Tenho a impressão de que sem a Zisile o Big Brasa não teria durado nem a metade do tempo.

         No começo o Conjunto estava sob meu comando. Depois passei tudo para o João Ribeiro, que conduziu tudo com muita competência e firmeza.   


PRESENÇA FIRME, NA CERTEZA DE QUE TUDO DEVE ESTAR JUSTO E PERFEITO

Já se passaram 10 anos que o papai nos deixou. Lembro dele quase todos os dias, muitas vezes em situações que passávamos juntos, tendo em vista que nosso diálogo era muito aberto e franco. O Papai era meu AMIGO. E ele tem estado presente o tempo inteiro em minha mente e na lembrança de todos de nossa família. A Aliete o teve como seu pai e hoje dedica muito amor à mamãe, Zisile, com seus 86 anos de idade. Todos nós, Aliete, Alberto Neto e Cristiane lembramos tudo o que ele fazia e as lições espetaculares de vida que nos deixou. Estou feliz por ter publicado este livro dele na internet. Certamente estaria muito satisfeito, pois era avançado e gostava de todas as inovações tecnológicas, chegando ao ponto de prever muita coisa do que ocorre hoje em dia.


                                                                  Fortaleza, Ceará, 29 de junho de 2011

                                                                           João Ribeiro da Silva Neto  
Homenagem a meu pai, Alberto Ribeiro da Silva

HOMENAGENS

         Julgo do meu dever prestar uma homenagem àquela que me tem acompanhado nas horas alegres e nos momentos difíceis, sempre com a mesma fibra, a mesma coragem, a mesma boa vontade, a mesma dedicação,  demonstrando a firmeza do seu caráter e da sua personalidade.

         Esse registro se deve ainda pelo amor que tem dedicado não só a mim mas também a todos os membros de nossa família. Estou falando de Francisca Amasile Pereira da Silva (minha mulher Zisile), a quem agradeço pelo extraordinário incentivo que me deu para escrever estas notas.

         Gostaria também de assinalar a lembrança dos meus pais, cuja memória tenho guardada no mais íntimo de minha mente e dos quais preservo até hoje os ensinamentos que recebi.

         A todos que me incentivaram na execução deste grande sonho os meus sinceros agradecimentos.



                                         Fortaleza, 01 de dezembro de 1995

                                                Alberto Ribeiro da Silva

APRESENTAÇÃO


         Longe de mim a pretensão de escrever um livro, na verdadeira acepção da palavra. Reconheço a minha limitação e por isso mesmo ficarei muito contente se conseguir passar para o papel alguns fragmentos da minha memória, alguma coisa que tenho na mente e que gostaria que não ficasse inteiramente perdida no turbilhão da vida.

         Pretendo abordar os seguintes temas:

         - meu depoimento;
         - a família;
         - flagrantes da vida balsense;
         - flagrantes do Piauí;
         - flagrantes do Ceará;
         - flagrantes de São Paulo;
         - flagrantes diversos.

         O que me interessa mesmo é fazer um registro dos acontecimentos, uns diretamente ligados à minha pessoa, outros aos meus familiares e muitos outros que estavam na minha mente e que eu desejo transmitir, passar para frente.

         Perdão pelos erros e omissões que cometi. Tudo foi feito com a intenção de agradar.

O MEU DEPOIMENTO

         Confesso que não tenho a menor intenção de escrever um livro para o grande público. O meu desejo é deixar escrita alguma coisa para o âmbito restrito de nossa família, somente para aqueles que, de um modo ou de outro, possam se interessar pelo que fomos, pelo que fizemos, pela nossa atuação durante este curto espaço de tempo que vivemos neste Planeta Terra. Será uma contribuição simples, desprovida de qualquer valor literário, visto como a nossa capacidade é extremamente limitada, tanto pela inteligência como pelos conhecimentos gerais.
         Com o passar dos anos a gente sente a necessidade de deixar para as gerações futuras alguns fragmentos de nossa vida, gravar algumas fases da nossa existência, para que, aqueles que virão depois, as criaturas humanas que vão nos suceder possam, quem sabe, até aproveitar um ou outro exemplo do nosso procedimento neste vale de lágrimas.
         Desejo deixar bem claro que não se trata de uma autobiografia. Ora meu Deus, quem é que agüentaria ler até o fim o relato da vida de um cidadão que tão pouco contribuiu para o aperfeiçoamento da humanidade? Certamente muito pouca gente; assim sendo, vou procurar transmitir alguns dados da minha vida, bem como, falar também dos meus familiares, dos amigos, de pessoas e fatos que ainda tenho na memória e que desejo perpetuar, antes que a voragem do tempo leve tudo para sempre.
         Sei que é uma tarefa difícil, mas dentro das minhas parcas limitações, procurarei fazer uso da sinceridade, da fidelidade, da humanidade que sempre procurei dar a todos os atos de minha vida. Vamos lá.

A MINHA INFÂNCIA



         O meu nome é Alberto Ribeiro da Silva, filho de João Ribeiro da Silva e de Maria Ribeiro da Silva. Nasci na cidade de Balsas, Estado do Maranhão, no dia 25 de julho de 1919.
         Posso afirmar com toda convicção que tive uma infância bastante feliz. Os meus pais deram-me tudo que uma criança pudesse desejar naquele tempo, residindo numa cidade do alto sertão maranhense, cuja ligação com os meios que se diziam civilizados era feita através do maravilhoso e lendário Rio Balsas, do qual muito terei que falar nestas notas, visto que está sempre ligado ao coração de todo balsense. Tenho as melhores recordações da infância e, no decorrer deste pequeno relato, procurarei descrevê-las da melhor maneira que me for possível.
         A primeira professora de quem me recordo, que me ensinou as primeiras letras, foi a madrinha Teresinha, que muito fez pelo ensino de Balsas, abrindo caminho na mente de muitas crianças, contribuindo, e muito, para a felicidade de várias gerações.
         Sua escola funcionava em uma das salas de sua residência, que ficava na Praça Getúlio Vargas, em frente à Igreja de Santo Antônio, da qual era zeladora. Era beata do Padre Cícero e, juntamente com sua inseparável amiga Serafina (a Ifina), era zeladora do Coração de Jesus e também responsável pela manutenção da Igreja.
         A escola era de extrema simplicidade. Apenas uma grande mesa, uma palmatória, uma tesoura, uma pedra redonda que se chamava “licença”, visto que servia de salvo-conduto para os alunos poderem ir ao quintal para as necessidades fisiológicas, um de cada vez. Cada um que desejasse sair, tinha que levar a pedra.
         Cada aluno devia levar de casa a sua cadeira, visto que na escola não existiam, apenas dois bancos de madeira destinados aos alunos que não pudessem levar a sua cadeira.
         Mesmo assim, usando métodos que hoje se consideram inteiramente superados, ela tirou da ignorância uma quantidade enorme de crianças de todas as camadas sociais. Foi uma verdadeira heroína. Balsas tem uma dívida de gratidão à madrinha Teresinha, que jamais poderá pagar.
         Freqüentei por algum tempo a escola de minha tia Lourdes Pereira, que, juntamente com a amiga Sussu, também contribuíram nos primórdios da educação em nossa cidade. Sua escola já possuía alguma coisa diferente, pois até fardamento se usava.
         Mais tarde fui matriculado, juntamente com o meu irmão Aluízio na escola primária da professora Maria Justina Serrão, vinda de São Luís para lecionar em Balsas.
         Era uma moça que se trajava muito bem, morena bastante escura, e que soube pelo seu caráter e serviços prestados angariar ótimo conceito no seio da família balsense. A propósito, lembro-me de um episódio que marcou bastante o meu espírito de criança. A professora Maria Justina chegou em nossa casa para uma visita e logo eu procurei cercá-la de todas as atenções possíveis. Posso dizer que a minha intenção era mesmo bajular a professora, visto que eu era aluno novato e procurava agradá-la de todas as maneiras. No decorrer da conversa com minha Mãe, esta perguntou como iam indo os meninos nos estudos. A minha grande decepção veio quando ela disse que o Aluízio ia muito bem, já estava lendo corretamente, mas, “este nosso amigo aqui”, apontando para mim com o dedo indicador “está me dando muito trabalho”. Na ocasião fiquei com muita vergonha, mas, até que serviu para que eu procurasse maior aplicação nos estudos. Guardo esta lembrança com muito carinho, tendo ficado na minha memória apenas pelo inesperado da resposta.
         Estudei também no Grupo Escolar, tendo como professora a minha irmã Zenóbia. A minha passagem por lá não foi muito proveitosa, pois reconheço e proclamo que era mau aluno. Apesar da capacidade da professora não obtive boa desenvoltura, o que me custou algumas reprimendas por parte de minha Mãe.
         Uma das maiores preocupações dos pais naquela época, em Balsas, era conseguir professores para os filhos. Lembro-me de que meu tio João Batista, pai da minha futura mulher Zisile, foi também meu professor por algum tempo. O Batista era homem de grande inteligência, espírito aventureiro, tanto assim que muito jovem ainda deixou a cidade, seguindo para o Rio de Janeiro, façanha difícil naquela época, regressando alguns anos mais tarde depois de ter servido ao Exército.
         Tal como João Batista de quem nos fala a Bíblia Sagrada, também ele foi um precursor, no caso, da imprensa em nossa terra, tendo fundado o jornal “O Lábaro”, que, apesar das incríveis dificuldades, circulava todas as semanas.
         Fundou a Sociedade Operária São José, a primeira do gênero em toda aquela região. Foi, portanto, o primeiro jornalista de Balsas. Teve a grande infelicidade de adquirir uma doença que hoje é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, mas que na época era tida como degradante, o alcoolismo. Não recebeu da sociedade os cuidados que hoje se dá às vítimas desse mal, e infelizmente conviveu com ele até a sua morte, o que se deu prematuramente aos 34 anos de idade. Deixou a esposa, Nemézia Santiago Pereira e quatro filhas: Francisca Amasile (Zisile), Zélia, Teresinha e Hermelinda, de quem falarei mais tarde em outros tópicos destes rabiscos.
         Pelos idos de 1933 fui mandado para Carolina, juntamente com dois primos, Antônio e  Deusdedith. Ali ficamos o ano letivo internos na residência do Professor Odolfo Medeiros, grande educador maranhense, homem de grande cultura, inclusive bom maestro. Foi um ano bastante proveitoso, pois recebemos daquele grande homem muitos ensinamentos, não só na área da educação, mas, de um modo geral, de conhecimentos da vida. O professor Odolfo Medeiros foi um MESTRE com todas as letras maiúsculas. Vai aqui o meu preito de homenagem e gratidão por tudo que ele me ensinou.
         Depois desse ano em Carolina, para onde fomos e voltamos em viagem a cavalo, em companhia do Tunim, nosso avô, regressamos a Balsas para um rápido período de férias.
         Estava aí praticamente terminada a infância, pois já com catorze anos de idade segui para Teresina, a fim de enfrentar o famoso exame de admissão, para poder entrar no ginásio. Viajei a bordo do vapor “15 de Novembro”, que era uma das embarcações que faziam o percurso de Parnaíba até Balsas e vice-versa, conduzindo passageiros e mercadoria de toda espécie. Lá mais para frente, quando chegar ao capítulo “Flagrantes da Vida Balsense”, procurarei relatar mais alguma coisa da infância, sem dúvida a melhor fase de nossa vida.
         Em Teresina fiquei os primeiros meses, de janeiro a junho, hospedado na residência de um amigo da família, Sr. Félix Pessoa, proprietário de uma das embarcações de navegação da época. Todos os membros daquela distinta família dispensaram-me ótimo tratamento. Dona Lígia, esposa do Sr. Félix, Dona Amada (sogra) e os filhos do casal foram extremamente gentis para comigo.

JUVENTUDE

         Chegando a Teresina no ano de 1934, e ficando hospedado na residência de amigos, como disse acima, consegui inscrição no Colégio Diocesano, sob a direção do padre Nonato, onde fiz o exame de admissão obtendo classificação para matrícula no primeiro ano do ginásio. Cursei até o segundo ano, transferindo-me para o Liceu Piauiense, por se tratar de ensino gratuito.
         Lá fiquei até 1938. Já estava fazendo o quinto ano do ginásio, quando, mais ou menos em outubro, fui envolvido no famoso caso “Demerval Lobão”, que era Inspetor Federal do Liceu, uma revolta de alunos contra essa autoridade. Ainda hoje me considero vítima de um grande erro judiciário, visto como, acusado de ter participado da referida revolta, não consegui provar minha inocência. Vivíamos época de ditadura, neguei e ainda hoje nego ter participado de tal movimento, mas tudo foi em vão. Respondi a inquérito administrativo, o qual, conduzido fraudulentamente, fui, justamente com mais cinco colegas suspenso por um ano, perdendo o ano letivo. Inicialmente foi um verdadeiro horror, embora mais tarde este acontecimento tenha sido de grande valia para mim, conforme explicarei mais adiante. Uma vez perdido o ano, no início de 1939 fui passar uma temporada em Balsas, na residência dos meus tios Cazuza e Ritinha, em companhia dos primos mais chegados, temporada da qual tenho muito a dizer. Foi tudo maravilhoso.
         Esta temporada em Balsas foi efetivamente extraordinária para mim. Participei de muitas festas carnavalescas e do tipo de diversão para um jovem de vinte anos, completamente irresponsável  e em gozo de plena saúde.
         Quando estava no melhor da festa, recebi um telegrama mandando que voltasse imediatamente para Teresina, visto como, estava matriculado na quinta série do Colégio de São Luís, dirigido pelo professor Luís de Morais Rego, um dos maiores educadores que conheci em toda a minha vida. Daí eu ter dito, linhas atrás, que aquele acontecimento de suspensão ter sido de grande valia para mim. Efetivamente, o ano que passei interno no Colégio de São Luís, foi uma das melhores coisas acontecidas em toda      a minha vida. Mudou completamente o panorama de tudo.
         O professor Luís Rego, dando mostras de ser um verdadeiro educador, dotado de todas as qualidades para tal, recebeu-me muito bem, dando-me completo apoio, e  por ser o único interno da quinta série fui indicado para “Bedel” da turma, com amplos poderes. Passei a trabalhar na secretaria do colégio, aprendi muita coisa. Posso dizer sem medo de errar que apenas nesse quinto ano de ginásio, aprendi muito mais do que em todos os anos anteriores. É aquela velha história de que há males que vêm para o bem. Neste caso a coisa funcionou maravilhosamente.
         Jamais poderei esquecer a entrevista que tive com o professor Luís Rego no dia da minha chegada. As suas palavras foram as de um verdadeiro sábio, um grande mestre, um grande condutor de jovens. Disse-me ele:
         - Meu caro jovem, o seu cartão de visitas não é bom, o senhor vem de uma suspensão de um ano no colégio onde estudava. O senhor foi vítima de uma grande injustiça, eu conheço o caráter de uma pessoa à primeira vista. Estou tranqüilo, certo de que a sua conduta aqui vai ser exemplar, não tenho dúvidas.
         Para que lição melhor do que essa?  Palavras que tiveram efeito altamente positivo. Correu tudo muito bem.
         Terminando o ano em São Luís voltei para Teresina, onde fiz o Curso de Técnico em Contabilidade na Escola de Comércio do Piauí, dirigida pelo professor Moacir Madeira Campos, outro educador de grande valor.
         Trabalhei no IAPC até 1949, exercendo as funções de Praticante de Datilógrafo a Contador Seccional, ocasião em que adoeci gravemente, vítima de tuberculose pulmonar, tendo seguido para tratamento na cidade de São José dos Campos, São Paulo.
         Teresina foi palco de grandes e inesquecíveis acontecimentos de minha vida. Dentre eles destaco com muita satisfação o meu namoro, noivado e casamento. É interessante confessar aqui que o nosso namoro só começou depois da terceira advertência feita pela minha Mãe, no sentido de que não desejava que o mesmo se efetivasse. Fui chamado por três vezes às falas pela Mamãe, pois, dizia ela:
         - Não posso admitir esse “piseiro” aqui em casa  . Era uma expressão que ela usava sempre, naturalmente querendo evitar um namoro, que, no seu entender, jamais poderia dar certo.
         Depois de severamente advertido pela terceira vez é que veio a decisão de começar tudo. Até então não havia namoro algum. Chamei a Zisile e consultei se ela desejava “enfrentar a parada”. Corajosamente ela disse sim, e daí para frente começou a verdadeira batalha. Oposição cerrada por parte de quase toda a família e a decisão firme de nossa parte em levar tudo até o fim. Graças a Deus a vitória final foi para o nosso lado, visto como, casados desde 1945, atravessamos toda sorte de dificuldades, com altos e baixos, podendo nos considerar um casal feliz. Uma família normal, de nível médio, dentro dos padrões normais das famílias brasileiras.
         Mais adiante, na parte deste relato que falarei sobre “Flagrantes do Piauí”, procurarei abordar outros temas, outros acontecimentos vividos naquela cidade que marcaram bastante as nossas vidas.
         De Teresina, em agosto de 1946, segui para São José dos Campos em busca de recursos médicos, visto que me encontrava acometido de tuberculose pulmonar. Tínhamos pouco tempo de casados, começando a vida quando fomos pegos por este vendaval. A Zisile ficou em Teresina e eu segui para a companhia de minha Mãe. Em março de 1947 chegava a Zisile para enfrentar, possivelmente, a mais dura luta de sua vida. Uma jovem de vinte anos de idade, ainda sem experiência, recentemente saída do seio de sua família, para tomar conta do marido, do cunhado Titina e de mais um amigo da família (Bernardino Aquino), todos com os pulmões em petição de miséria. Lutou galhardamente e venceu tudo. É mais do que justo deixar aqui expressa a minha gratidão por tudo que ela tem feito por nós. Nas horas vagas, em São José dos Campos, ainda sobrava tempo para dar assistência a mais dois doentes que conhecemos por lá (Urbano Portela e Sady Libânio, ambos do Piauí), internados no Sanatório “EZRA”. Foi uma verdadeira odisséia o período do tratamento, notadamente porque a Zisile enfrentou a fase mais difícil da luta sozinha, uma vez que a Mamãe teve que voltar a Teresina para atender a outros compromissos.
         Tudo passou e terminou bem, graças à coragem, dedicação, boa vontade, desprendimento e tudo mais que se possa dizer de uma criatura que tem vivido para servir a nossa família. Sempre com a melhor boa vontade, sem jamais ter demonstrado a menor fraqueza. Se alguém merece um lugar de destaque em nossa família, esse alguém se chama Francisca Amasile Pereira da Silva (Zisile), sem a menor sombra de dúvidas.
         É por isso que eu desejo terminar este tópico registrando estas palavras de agradecimento, fazendo votos ao Grande Arquiteto do Universo, para que sempre a ilumine e guarde.
         Muito difícil foi a luta em São José dos Campos. Trabalhei no escritório do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), na construção do asfalto entre São José dos Campos e Caraguatatuba. No começo da obra o escritório ficava em frente à minha casa, transferiu-se para a cidade de Paraibuna, de maneira que a gente tinha que se deslocar todos os dias pela madrugada, como verdadeiros “bóias-frias”. A Zisile preparava a marmita para eu levar todos os dias em caminhão do DER, trabalho estafante, mais que muito me serviu, uma vez que a aposentadoria era insuficiente para o sustento da família.
         Mais tarde organizei uma oficina mecânica denominada “Mecânica Pirk”, especialista em conserto de caminhões e máquinas agrícolas, trabalhos de torno mecânico e serviços gerais. Uma sociedade com o José Pirk, competente mecânico, que era dirigente da parte de serviços técnicos. Entrei com o capital e tomei conta da parte administrativa, escrituração contábil etc. Foi uma fase relativamente boa, mas, em virtude de notar que o sócio da indústria não estava cumprindo fielmente a sua parte, resolvi afastar-me da firma, passando tudo para o outro sócio, conseguindo livrar alguma coisa.
         Trabalhei como gerente do jornal “São Dimas” na paróquia do meu grande amigo e compadre Monsenhor Ascânio Brandão, um dos luminares da Igreja Católica no Brasil. Para se falar de Ascânio Brandão na Igreja Católica é necessário dizer que era um grande sacerdote, dotado de todas as qualidades para essa nobre missão. Jornalista, escritor, conferencista, passou ele a sua vida na pregação do Evangelho, escrevendo para jornais e revistas de todo o País, difundindo os seus ideais, que eram os mais nobres.
         Foi Ascânio Brandão quem resolveu construir a Igreja de “São Dimas”, a primeira do mundo, em cuja obra também colaborei com o meu trabalho e o meu entusiasmo. Penso que obtive completo êxito, tanto assim que tivemos a grande honra de ter gravado o nosso nome em um dos sinos do carrilhão daquela Igreja. Está lá: “Dimas”, "Sílvio" que era o engenheiro da obra e “Alberto e Zisile”, considerados eméritos colaboradores para merecerem tão grande honraria.
         Com o falecimento do Monsenhor Ascânio chegou o substituto, Padre Ernesto, completamente diferente do fundador da Paróquia. Homem de mentalidade acanhada, que não teve coragem de continuar com o jornal “São Dimas”, visto que não era jornalista nem possuía as qualidades de seu antecessor. No meu entender era o reverso da medalha. Era a diferença da água para o vinho. Padre Ernesto não deu prosseguimento ao extraordinário trabalho do Monsenhor Ascânio e as coisas desandaram completamente. Trabalhei poucos meses com ele e logo percebi que como é de praxe o novo Vigário tinha os “seus” para colocar. É uma coisa de rotina, não há o que reclamar.
         Afastei-me normalmente e parece que de sua parte também não houve mágoa, tanto assim que me ofertou uma Bíblia Sagrada, com a dedicatória: “Ao Alberto, com as bênçãos de Deus”. Estava assim encerrada mais uma etapa de vida, com a minha consciência tranqüila do dever cumprido.
         Antes de terminar este tópico, cumpre-me lembrar que foi o Monsenhor Ascânio que trouxe para o Brasil e divulgou bastante, a devoção à Santa Teresinha do Menino Jesus, tendo escrito até um livro sobre sua vida. Contou-me o Monsenhor Ascânio, que logo após a sua intensa caminhada pela divulgação dessa devoção, quando a mesma estava no auge, ele teve a sua saúde fortemente abalada por uma peritonite aguda. Às portas da morte, já desenganado pelos médicos, recebeu a visita de uma senhora de idade, devota de Santa Teresinha que, dirigindo-se a uma imagem da Santa em tamanho natural, existente no quarto do vigário, disse de frente para a mesma, de dedo em riste:
         - Olhe minha santinha, se a senhora deixar esse padre morrer agora, a senhora vai ficar DESMORALIZADA nesta terra. O desafio valeu. O Monsenhor não morreu e a devoção continuou firme. Fato verídico obtido na própria fonte.
         A temporada que moramos em São José dos Campos foi extraordinária, benéfica para nós. Todos os louvores a essa abençoada terra que, além da cura da grave doença, deu-nos também o nascimento dos filhos João Ribeiro e Getúlio Alberto, que hoje juntamente com a Lucinha e Zisile, compõem a nossa querida família.
         Trabalhei por pouco tempo na Prefeitura de Monteiro Lobato, como contador. Executava o serviço em casa, comparecendo lá apenas para pegar a documentação a ser contabilizada.
         Tinha o João Ribeiro apenas quatro anos de idade, quando resolvemos vender todos os objetos que tínhamos em casa, juntando com toda a nossa economia, para fazer um passeio ao Norte. Pegamos um avião em São Paulo com destino a Belo Horizonte, onde ficamos hospedados no hotel São Miguel, um dos melhores da época naquela cidade. Muita “mordomia” para quem não tinha costume de viajar a passeio. Isto foi no ano de 1956.
         De lá seguimos também de avião para Balsas, onde passamos uma ótima temporada em companhia de familiares, revendo amigos e parentes e gozando as delícias daquela terra maravilhosa.
         Depois dessa temporada pegamos um avião para Teresina, com a mesma finalidade: rever a terra, os parentes e amigos. De Teresina fomos de trem para São Luís, viagem feita ainda no tempo das locomotivas à lenha, fagulhas para todo lado, um verdadeiro “Deus nos acuda”. Houve até um princípio de incêndio que apavorou o João Ribeiro. Aos trancos e barrancos chegamos a São Luís, onde encontramos também muitos parentes e amigos.
         Em São Luís embarcamos no navio “ITAITÉ”, com passagens tiradas até Santos. Viagem maravilhosa que nos deixou grandes recordações. Tudo correu na mais perfeita ordem. Não desembarcamos em Natal por motivo de chuva. Visitamos Recife, onde encontramos uma tia muito querida (Doninha) e um primo legítimo (Pedro Alcântara Carvalho), que há muito tempo não víamos. Fomos muito bem recebidos. Conhecemos alguma coisa na cidade e tivemos uma idéia geral de tudo.
         Visitamos Salvador e Maceió, ligeiramente, apenas para conhecer os pontos principais. O navio ficou ancorado no Rio de Janeiro durante três dias, o que foi ótimo para nós, pois fizemos alguns passeios pela cidade, sem precisar ficar em hotel. No Rio aqueles passeios principais da Cidade Maravilhosa, inclusive tivemos oportunidade de conhecer o Estádio do Maracanã, assistindo o jogo entre o meu Fluminense e o Vasco da Gama, no qual o Fluminense perdeu por 3 x 2, depois de estar ganhando por 2 x 0. Foi horrível o resultado, o jogo em si foi muito bom e o passeio melhor ainda. No dia em que o navio deveria seguir para Santos, desembarcamos no Rio de Janeiro e seguimos de ônibus até São José dos Campos, para ganhar tempo.
         A viagem já estava muito longa e os recursos muito curtos. Desta viagem temos as melhores recordações. Para dizer a verdade, não houve um só acontecimento que pudesse provocar tristezas, tudo foi alegria.
         Tudo isso foi em 1956. Pergunto eu: será que hoje, em 1991, um cidadão pobre, de classe média, poderá fazer a mesma coisa? Duvido muito. Posso até afirmar com convicção que é impossível. Mas “não faz mesmo!”.
         A verdade é que nós fizemos, chegamos a São José dos Campos sãos e salvos, prontos para recomeçar tudo de novo, o que foi feito. Ficamos lá até dezembro de 1960, quando resolvemos a nossa transferência para Fortaleza. Mas aí é outra história que contarei daqui para a frente. Outros acontecimentos de São José serão contados nos “Flagrantes de São Paulo”, um dos seguimentos deste relato.
         Durante os quatro anos que ainda permanecemos em São José dos Campos procuramos recompor a nossa vida, um tanto ou quanto abalada pelos gastos do passeio feito ao Norte.
         No dia 8 de março de 1958 houve dois acontecimentos de grande significação para nós. Primeiro a chegada de nosso filho Getúlio, fato que trouxe para nós muitas alegrias, o que é muito natural. O nascimento de um filho é acontecimento marcante. Segundo a minha admissão na Loja Maçônica “Duque de Caxias 3a”, pertencente ao Grande Oriente do Brasil, onde fiz ótimas amizades  que até hoje guardo com muito carinho. Ajudei no que me foi possível; contribuí para a organização do Estatuto e do Regimento Interno; trabalhei na construção do Templo. Enfim, dei a minha parcela de contribuição para o progresso da Ordem. Entre os “irmãos” sempre reinou a maior harmonia. Tenho a mais grata recordação de todos. Ainda hoje (13 de setembro de 1991) sonho tomando parte dos trabalhos da Loja, discutindo assuntos gerais, conversando com os “irmãos”. E, quando acordo, sinto imensa saudade daqueles bons tempos que jamais voltarão. É a marca inexorável do tempo.

A MUDANÇA PARA FORTALEZA

         No início do ano de 1960 decidimos a nossa mudança para Fortaleza.  Foi um fato até certo ponto engraçado visto que a escolha da cidade foi feita mediante sorteio. O João Ribeiro estava sofrendo de bronquite asmática, daí a nossa decisão.
         Colocamos num chapéu o nome de quatro cidades e mandamos que ele retirasse um - o que foi feito - aparecendo o nome de Fortaleza. Começamos os preparativos para a mudança vendendo alguma coisa, inclusive as casas, a fim de juntar alguns trocados para não chegarmos por aqui totalmente “lisos”, com as mãos abanando, como se diz.
         Viajamos de avião e chegamos por aqui em dezembro de 1960. Lembro-me que foi um dia de sábado pela madrugada. Na manhã de domingo saímos para assistir missa na Igreja de Fátima e ao voltarmos vimos que havia uma “Kombi” estacionada em nossa porta. De longe não conseguimos saber de quem se tratava. Chegando mais perto verificamos que era o Petrônio Leitão e Valmira, que, informados pela Maria de Lourdes de nossa vinda, já havia reservado para mim um emprego como Contador da Cooperativa da Construção. Diga-se que o Petrônio era Delegado do IAPC, na época em que eu trabalhava no Piauí. Assim, sem saber, eu já estava empregado, assumindo o cargo no início de janeiro. Foi uma agradável surpresa esse nosso início de vida nesta bela “Fortaleza”.
         A Cooperativa da Construção funcionou muito bem até 1963, quando começou a entrar em colapso por razões de algumas medidas do governo federal, interessado em acabar com as Cooperativas de Crédito. Bem, mas isto não vem ao caso. O fato é que o Banco Central decretou a sua liquidação extrajudicial e eu fui “premiado” para ser o Liquidante, uma das tarefas mais difíceis que já enfrentei em toda a minha vida. Confesso que se tivesse algum inimigo, não desejaria para o pior deles a função de Liquidante de uma Cooperativa de Crédito.
         Apesar de tudo, das dificuldades, das incompreensões, dos tropeços de toda ordem que aparecem, da pressão que o Banco Central exerce em tais casos - e com alguma dose de razão - consegui levar o processo até o final, obtendo voto de louvor do Delegado do Banco Central (Dr. Francisco Costa), que, em caráter absolutamente particular, e em face de nossa amizade durante os nosso trabalhos de liquidação, mostrou-me a parte final do Relatório de Encerramento, onde dizia mais ou menos o seguinte:
         - Chegou a bom termo a liquidação desta Cooperativa, graças à extraordinária atuação do seu Liquidante, senhor Alberto Ribeiro da Silva, que atendeu satisfatoriamente a todas as exigências do Banco Central”.
         Considero uma grande vitória, visto como a liquidação de outras cooperativas por aqui terminaram em escândalos, o que não ocorreu com a nossa.
         Ainda quando estava no exercício de cargo de liquidante, recebi o convite para o cargo de Contador da Ceará Motor S.A. (revendedora de veículos), pertencente ao Sr. Antônio Palácio de Queiroz. Trata-se de uma Sociedade Anônima (S.A.) fechada, muito bem administrada, uma das mais conceituadas do país. Trabalhei ali por algum tempo, tendo saído por minha livre e espontânea vontade, recebendo tudo a que fiz jus. Graças a Deus deixei por lá muitas amizades, desde o mais humilde lavador de carros ao mais alto dirigente. Ainda hoje quando passo por lá sou bem recebido. Disse-me um dos diretores daquela firma, Sr. Francisco Oliveira, que, do seu conhecimento, foi o único funcionário de certa categoria que saiu da firma sem criar o menor problema. Muito ao contrário, mesmo depois de ter deixado a função foi chamado inúmeras vezes, aos sábados, para orientar o novo contador, meu amigo Lavor, que não estava bem entrosado no assunto.
         Deixei por lá um exemplo que muito me honra. Durante a minha gestão, nunca houve qualquer atraso na entrega dos balancetes e balanços.
         Estava ainda na Ceará Motor, quando um certo dia recebi um telefonema de um amigo oferecendo uma oportunidade melhor,  para trabalhar como contador de uma distribuidora de títulos da Cofinorte S.A., que era a Fortval S.A., do importante grupo J. Macedo S.A.
         Em matéria de salário era bastante vantajoso. Havia também outras vantagens, como o local de trabalho, melhores instalações etc.
Resolvi aceitar o convite e comecei a trabalhar. Logo nos primeiros dias de trabalho comecei a notar uma certa irregularidade cometida pelo diretor administrativo e pelo chefe de vendas, dois elementos estranhos no grupo J. Macedo, mas que até então gozavam de bom conceito. Por uma questão de ética, desejo omitir aqui os seus nomes. Tinha início aí uma verdadeira batalha que travei com os citados elementos. Não podia aceitar aquele tipo de coisa e passei nada menos do que seis meses em polêmica com os “camaradas”. Lembro-me muito bem que em uma reunião da diretoria, à qual compareceu o presidente, Dr. Fernando Macedo, eu disse uma porção de coisas durante a sessão e por isso fui censurado pelos mesmos. Perguntei a eles porque não gostaram do que eu havia dito, tendo um deles respondido:
         - Existem certas coisas dentro de uma firma, que não devem ser levadas ao conhecimento do "Chefão”. Foi assim mesmo que ele disse.
         Reagi até com certa violência, fazendo ver que eu desconhecia qualquer assunto que devesse ser escondido. Foi a gota d’água; daí para frente as coisas se complicaram. Um certo dia resolvi levar ao conhecimento do Dr. Fernando Macedo as minhas desconfianças e asseverar mesmo que havia uma irregularidade na firma, que eu não sabia onde, com um prejuízo que eu avaliava em setecentos a oitocentos mil cruzeiros - na época uma importância bastante grande. Capaz de assustar qualquer um. Foi determinada uma inspeção interna, sob o comando do Dr. João de Medeiros Marques, meu velho conhecido ainda do IAPC. Depois de um mês de trabalho não conseguiu descobrir nada e deu ciência do fato ao Dr. Fernando, que me chamou ao seu gabinete para pedir explicações. Confirmei tudo que eu havia dito anteriormente, mas, com uma ressalva. Antes que eu falasse alguma coisa, Dr. Fernando me perguntou:
         - O rombo é maior? Perguntou com certa apreensão.
         - Sim, respondi com toda a convicção. A única coisa que eu desejo modificar é o tamanho do “buraco”. Foi um Deus nos acuda.
         Neste tempo recebemos a primeira inspeção do Banco Central, comandada pelo competente inspetor José Gerardo do Carmo, ao qual participei as dúvidas que eu tinha, recebendo a informação de que eu tinha plena razão e que poderia contar com o respaldo do Banco Central. É bom deixar bem claro que o BC já tinha recebido denúncia de tais irregularidades e que desejava apurá-las.
         Nessa primeira inspeção não houve nada. Foi apenas superficial. Mais tarde chegou outra, ainda mais rigorosa, com poderes para penetrar a fundo na questão. Nessa ocasião ao disse ao Dr. José Gerardo que duvidava que no Banco Central ou no Brasil inteiro, tivesse alguém capaz de retificar os erros existentes, mediante estorno e que tudo só seria esclarecido através do que em contabilidade se chama “balanço físico”. Isto é, a anulação de tudo para verificar o que realmente existia dentro da firma. Ele achou que não, que havia exagero da minha parte e deu início a uma verdadeira devassa em toda a escrituração. Depois de dois meses de trabalho, com a sua mesa já repleta de papéis de toda ordem, chamou-me ao seu gabinete e disse:
         - Alberto, vamos proceder da forma como você sugeriu. Efetivamente a coisa está muito difícil.
         Nesse meio termo eu já tinha tido um entendimento com os diretores, informando-os que a situação era insustentável e pedindo autorização para colaborar com o Banco Central. Foi dramático o meu encontro com os dois, mas acabaram por concordar, em colocar tudo em “pratos limpos”.
         Conclusão: o Grupo Macedo, convencido que eu tinha total razão, resolveu se desfazer da Fortval e da Cofinorte, liquidando ambas e cobrindo integralmente todo o prejuízo que efetivamente existia. Não houve qualquer danos a terceiros e tudo foi resolvido a contento. A liquidação das duas firmas foi acompanhada por dois componentes funcionários do Grupo, João Carvalho e Reino Pécala Ray, os quais me chamaram para assessorá-los em seu trabalho.
         Depois de toda essa batalha terminada, posso dizer, com vitória total de meus pontos de vista, é que veio aquilo que eu classifico como “a grande besteira de minha vida”. Dizem que todo homem tem direito a isso e eu não fugi à regra.
         Pedi para sair, pois me encontrava bastante cansado. Hoje reconheço que não deveria ter agido assim, não adianta chorar “o leite derramado”. O próprio Dr. Fernando Macedo me convocou ao seu gabinete para perguntar o que estava havendo, pois era seu desejo indicar o meu nome para o quadro de inspetores do Grupo. Fiz ver a ele as minhas razões, colocadas a meu modo, e este não teve outra alternativa a não ser concordar.
         Estava funcionando nesta época o Conjunto Musical “Big Brasa”, fundado pelo João Ribeiro e um grupo de amigos, com o qual fui trabalhar por algum tempo. Sobre o mesmo desejo fazer algumas considerações no decorrer desse trabalho.
         O “Big Brasa” foi fundado no dia 8 de março de 1967. A data da fundação foi uma homenagem ao Getúlio, que faz aniversário nesse dia. Estava eu tranqüilamente em casa, quando recebo a visita do João Ribeiro e seu grupo para solicitar a minha adesão à idéia. De início fui radicalmente contrário, mas, depois, com a interferência da Zisile, resolvi aceitar a tarefa e demos começo ao trabalho.
         No começo foi tudo muito difícil. Basta dizer que todos os instrumentos eram de segunda mão, inclusive alguns de fabricação caseira, como o caso das guitarras, feitas pelo Barretinho, um amigo que também era do ramo. A primeira bateria pertencia à “Charanga do Gumercindo” e já estava encostada como imprestável; recuperada convenientemente nos prestou grandes e inestimáveis serviços.
         Num verdadeiro rasgo de coragem aceitamos sair do Estado do Ceará, seguindo para cumprir contratos em Teresina, e posteriormente até Balsas. Sendo que foi o primeiro conjunto de guitarras a aparecer por aquelas bandas. Houve lá um episódio engraçado: no dia da chegada do Conjunto, em meio aos comentários que se fazia, um tipo popular da cidade, chamado “Panelada”, me abordou na rua e perguntou:
         - “Seu Alberto, como é mesmo o nome dos instrumentos, é guitarra ou é tarracha?” ao que respondi brincando:
         - É tarracha sim, Panelada, é um conjunto de “tarrachas”.
         Depois de Balsas fomos até Carolina, em dois aviões “teco-teco” onde fizemos duas festas e algumas apresentações com bastante sucesso.
         Terminada a temporada no Sul do Maranhão voltamos de avião para Teresina, de onde pretendíamos seguir de ônibus de volta a Fortaleza. Para surpresa nossa não encontramos passagem e tivemos que voltar mesmo de avião, comprometendo todas as reservas obtidas na empreitada. Chegando a Fortaleza “mais liso do que calcanhar de cotia”, mas bastante satisfeitos, pois realizamos uma aventura muito gratificante.
         O Conjunto, posteriormente, recebeu convite para ir a São Luís, para fazer duas festas. Uma delas no Clube dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar, ocasião em que o seu Presidente era o pai da hoje famosa cantora Alcione. Naquela noite fomos solicitados a deixar que uma mocinha, filha do Presidente, cantasse algumas músicas acompanhadas pelo Conjunto, o que foi atendido com prazer. Lá veio ela com seu vestido branco, pegou o microfone e cantou alguns números; sucesso total. Pois bem, essa mocinha não era outra senão a Alcione, antes de começar sua brilhante carreira, que todos conhecem muito bem.
         Ainda em São Luís tocou no “Cassino Maranhense” uma festa bastante concorrida, dando cumprimento ao contrato. Tudo correu bem nessa temporada, embora não se possa dizer, a bem da verdade, que tenha havido “estrondoso” sucesso. Era impossível, em face das condições materiais e da pouca experiência do Grupo.
         A convite do Dr. Faustino de Carvalho e Silva e do Dr. Aluízio Ribeiro da Silva, Gerente do Banco do Brasil e Juiz de Direito de Caxias no Maranhão, respectivamente, fomos àquela cidade para uma breve temporada. Ali se pode dizer que o Conjunto fez sucesso. Era novidade na época e, modéstia à parte, o Conjunto já estava mais bem equipado.
         Nessa época o Getúlio, ainda uma criança, fazia parte do Conjunto tocando pandeiro e justiça se faça, era uma atração. Muito bem trajado, cabelos longos, todo mundo o achava interessante.
         O João Ribeiro, na qualidade de guitarrista, já ensaiava os primeiros passos para se tornar mais tarde, na opinião geral, o maior guitarrista do Ceará. Isto era voz geral.
         Foi à Parnaíba em algumas temporadas, sempre com bastante sucesso. Lembro-me em que em uma das vezes estávamos com contrato para tocar em Limoeiro do Norte, e por insistência do Radialista Paulo Lima Verde, fomos induzidos a mandar outro Conjunto em nosso lugar, para atendê-lo no contrato que havia feito em Parnaíba. Resultado: “nem mel e nem cumbuca”. Até hoje não vimos a cor do dinheiro dessa temporada. Foi a mesma coisa que “amarrar no rabo de um veado que nunca viu gente e soltar um foguete atrás”. Foi-se com seiscentos mil diabos...
         Durante mais ou menos cinco anos o nosso “amigo” Augusto Borges, acompanhando os cantores que se apresentavam no Programa “Show do Mercantil”, na TV Ceará - Canal 2, da extinta Rede Tupi de Televisão. Não se falando da parte promocional, de que qualquer maneira serviu, financeiramente foi um desastre. Trabalha-se muito, mas o ganho era “desse tamanhinho”...
         Um certo dia resolvemos sair da TV Ceará, por incompatibilidades salariais e continuar com as apresentações normais. O Conjunto participou de dois Festivais de Música Popular Nordestina, em Recife, acompanhando cantores da terra, sendo que a música cujo arranjo musical foi feito pelo João Ribeiro, obteve o segundo lugar. Decisão bastante contestada, visto que bem merecia o primeiro lugar. Esta foi a opinião de grande parte dos que participaram do referido Festival.
         Em certa ocasião, acompanhando o cantor Ednardo, numa apresentação no Teatro José de Alencar, o João Ribeiro conseguiu, acompanhando-o na guitarra e flauta, abafar por completo o brilho do dono da festa. Só se ouvia na platéia o grito: “Boa, Beiró” - com muitas palmas para o acompanhante. O Ednardo não gostou.
         Na temporada de Caxias houve um episódio que bem merece registro.  Foi o seguinte: em plena festa, quando o João Ribeiro tocava um dos seus melhores números, levantou-se um cidadão, comerciante local que não me lembro o nome, e disse, dirigindo-se à Zisile:
         - Minha Senhora, o seu filho é um “ladrão” na guitarra.
         No Maranhão essa é uma expressão carinhosa, diz-se que o camarada é “ladrão” quando é muito bom em determinada coisa. Foi tudo maravilhoso, pois como maranhense eu conhecia os costumes da terra.
         Em linhas gerais foi essa a atuação do Conjunto Musical “Big Brasa”. É lógico que muitos outros episódios ainda serão narrados no decorrer desse trabalho.
         Antes de terminar, acho de inteira justiça ressaltar a atuação da Zisile junto ao “Big Brasa”. Fez de tudo, desde tolerar os abusos de certos elementos que passaram por lá, que exigiam até o tipo de comida que deveriam ter (havia tempo em que alguns deles praticamente moravam aqui em nossa casa). Até a aquisição de material para o Conjunto, como foi o caso da primeira bateria “Pingüim”, comprada com o dinheiro dos bordados que fazia na época. Tenho a impressão de que sem a Zisile o ‘Big Brasa “não teria durado nem a metade do tempo”.
         No começo o Conjunto estava sob meu comando. Depois passei tudo para o João Ribeiro, que conduziu tudo com muita competência e firmeza.
         Mais adiante, estava numa noite assistindo a um ensaio, quando recebo a visita de um velho amigo do Piauí, Benício Melo, acompanhado de um filho médico, para, por indicação do Delegado do Banco Central, convidar-me para ser Presidente de uma sociedade médica chamada SAMI (Serviço de Assistência Médica à Infância), que funcionava na Avenida Tristão Gonçalves. Aceitei o convite e lá fiquei durante os dois anos de mandato, conforme o Estatuto da referida entidade. Tenho absoluta certeza de que desempenhei a contento essa honrosa função, pois o patrimônio da firma cresceu bastante, inclusive com a aquisição de um prédio vizinho ao hospital, que era o sonho de todas as gestões anteriores.
         Pouco tempo depois da minha saída houve sério atrito entre os donos, todos médicos, e a sociedade foi extinta. Confesso que nunca soube o resultado, mesmo por que entrando para outra atividade completamente diferente não tive mais tempo de fazer contato com o pessoal. Ainda no SAMI recebi o convite do Cel. José Carneiro da Cunha para ser o seu Assistente da Administração da TV Educativa do Ceará, na época ainda pertencente à FUNEDUCE (Fundação de Educação do Ceará).
         Por indicação do Pe. Gerardo Campos, casado com a Dra. Arides, uma das diretoras do SAMI, compareci a uma entrevista com o Cel. Carneiro, que imediatamente levou-me ao gabinete do Cel. Artur Torres de Melo.
         Depois de uma rápida conversa, em que ambos fizeram uma espécie de teste comigo, fui indicado para assumir o cargo de Contador de TV Educativa.
         A minha primeira passagem pela TV Educativa foi marcada por muitas divergências com o Superintendente, Cel. Artur, motivadas pela diferença de método de trabalho entre eu e ele. O Superintendente era um engenheiro militar, pessoa de gênio muito forte, mas diga-se a bem da verdade, possuidor de um grande espírito humanitário. Era violento, na hora desejava arrasar tudo, mas, depois, sabia ouvir as ponderações de gente mais calma, como eu. No final das contas demonstrou o seu grande coração.
         Muitas e muitas vezes fui chamado ao seu gabinete para executar ordens duras, medidas que no meu entender eram violentas. Nessas ocasiões aconteciam os choques entre nós. Dentro do meu espírito de trabalho fazia ver a ele que aquilo poderia resultar numa injustiça. Coisa que eu sabia que ele não desejava cometer. Acabava cedendo, reconheço as suas grandes qualidades, aqui e ali com algumas imperfeições, tão naturais no gênero humano. As suas boas qualidades superam em muito os pequenos defeitos. No final nos tornamos bons amigos. Por ocasião de sua saída fui citado em seu discurso de despedida, fato que muito me honrou. Quando fui cumprimentá-lo, na despedida, pedi desculpas por alguma coisa e ele disse que não tinha a menor queixa de nada, tanto assim que me elogiou no seu discurso.        Acho que desempenhei bem a minha missão no cargo.
         Com o Cel. Carneiro tudo decorreu da melhor forma. Ficamos bons amigos e ainda hoje, quando nos encontramos, recordamos com alegria os bons tempos vividos ali. Com a saída do Cel. Artur e do Cel. Carneiro, no lugar deste foi nomeado o Sr. José Esmeraldo Barreto, funcionário aposentado do Banco do Brasil. Trabalhei algum tempo ainda, fizemos boa amizade, mas já estava na minha cabeça a idéia de voltar para uma outra tentativa em Balsas. Desta vez com um escritório de serviços gerais.
         Por volta de 1978 solicitei a minha demissão, de livre e espontânea vontade. Recebi todos os direitos, “arrumei a trouxa” e lá fomos novamente para Balsas. É a tal coisa: “umbigo enterrado por lá, a gente não perde o desejo de voltar ao ninho antigo”.
         Aí é que foi outra grande besteira de minha vida, - a segunda. O escritório em Balsas redundou em completo fracasso, não por falta de serviços, que até apareceram muitos, mas por falta do “vil metal” - aquela velha história, todo mundo amigo, depois do serviço pronto, “Obrigado Alberto, depois a gente acerta”; e até hoje...
         Até que em termos de rever os amigos, de fazer novas amizades, foi tudo muito bem, não tenho a menor queixa. Fui muito bem tratado pelos parentes e amigos, mas em matéria financeira foi um fracasso total. Não agüentei muito tempo. Antes de completar um ano já estava novamente de volta para Fortaleza.
         Desejo aqui deixar gravado o meu eterno agradecimento ao meu grande amigo Moisés Coelho, meu primo e colega de infância, homem de extraordinária capacidade de trabalho, de poucas letras, mas de rara competência e inteligência, capaz de botar pra trás muito doutorzinho por aí. Por que não dizer, uma das criaturas mais inteligentes que eu conheci em toda a minha vida. O Moisés era capaz de façanhas incríveis. Redigia um contrato de qualquer natureza com rapidez e perfeição. Eu mesmo tive a oportunidade de constatar isso. Fazia negócios de toda ordem, comprava e vendia casas, bois, cavalos, jumentos, tudo que aparecesse. Sabia fazer negócios, era possuidor do que se chama “tino comercial”. Deixou a família muito bem situada na vida, todos os filhos formados, médico, dentista, engenheiro, comerciante etc., inclusive o Dr. Moisemar Coelho, que fez uma  grande administração naquela cidade.
         Pois bem, eu ia falando do agradecimento ao Moisés e interrompi com outro assunto. Ele mandou me deixar aqui em Fortaleza em uma camioneta de sua propriedade, tendo providenciado tudo, até o motorista. E olhem que de Balsas a Fortaleza são mais de 1.300 quilômetros; era amigo ou não era? Obrigado Moisés, faço sincero votos para que o Grande Arquiteto do Universo ilumine e guarde a sua alma em bom lugar, que você merece muito. Homens como você hoje estão em extinção em nosso país.
         Aqui chegando dessa fracassada tentativa fui trabalhar num escritório de planejamento, do Sr. Manoel Messias, mas por pouco tempo. Serviço extremamente chato e, além do mais, fora da minha especialidade. Acho que não cheguei a trabalhar lá nem dois meses. Logo recebi um chamado do Sr. José Barreto, de quem já falei anteriormente. Confesso que não tinha a menor idéia do assunto que desejava comigo. Atendi ao seu chamado alguns dias depois, e a minha grande surpresa é que era para perguntar se eu desejava voltar a trabalhar na TV Educativa. Disse a ele que era difícil, visto que a minha vaga de Contador já estava preenchida por outro. Aí veio o fato que considero raro: disse ele que conseguiria alterar o quadro de pessoal da TVE, criando mais um cargo de Contador só para conseguir a minha volta, o que realmente foi feito. Foi ótimo para mim, pois onde eu estava trabalhando não me agradava de maneira alguma.
         Reassumi o cargo de Contador em fins de 1979, tendo ficado exercendo a função até o início de 1982, quando, a convite do Governador Luís Rocha - que atendeu a uma solicitação do meu primo e amigo Bernardino, então prefeito de Balsas, - fui designado para ficar à disposição do Governo do Maranhão, para servir novamente em Balsas, na gestão do Bernardino. Por decreto desse, fui nomeado Secretário de Finanças da Prefeitura. Na minha gestão tive alegrias e decepções, começando no dia da posse, quando, levando ao conhecimento do pessoal a maneira pela qual desejava conduzir o trabalho, fui advertido por uma antiga funcionária, que me disse:
         - Seu Alberto, vou lhe dizer uma coisa: aqui em Balsas não fale na palavra “empenho”. Se o senhor disser que vai mandar empenhar as compras da Prefeitura, fique certo de que não compra um só tostão. O comércio daqui tem horror a isso.
         Vejam que dificuldade eu teria pela frente, tendo em vista que essa providência é indispensável no serviço público. Aos poucos as coisas foram entrando nos eixos.
         Procurei ordenar as atividades, fazer todos os pagamentos mediante processos regulares, bem informados, com cheques normais, “empenho prévio” e enfim, essas coisas de rotina que deveriam ser normais em toda parte.
         Lembro-me que um dia estava um amigo meu, de longas datas, pessoa que até tem certa influência na cidade, esperando o pagamento de um serviço que tinha feito para a Prefeitura. E, em face de alguma demora em sair o cheque, usou o seguinte para expressar a sua desaprovação ao novo sistema:
         - Depois que o Alberto inventou essas frescuras de empenho, processo, cheque nominal, tudo ficou muito pior. No tempo do prefeito anterior, ele me pagava era do bolso dele, eu assinava tudo em branco. Cansei de receber dinheiro até dia de domingo.
         Diante da minha argumentação, de que aquilo era irregular, ele disse simplesmente isso:
         -  E daí, eu estando com o meu no bolso, garantido, quero é que tudo se lasque.
         É difícil trabalhar com seriedade nesse nosso país, sem dúvida.
         De outra feita recebi recado de um empreiteiro de obras, pedindo para arranjar serviço para ele, com a informação de que:
         - Eu sei trabaiá com Prefeitura, - expressão dele. Fiquei confuso com a história e perguntei ao Raifran o que significava aquilo. O Contador, mais experiente que eu nesse assunto, respondeu:
         - “Ora, seu Alberto...”  Pronto, não foi preciso explicar mais nada, estava na cara que a sua intenção era fazer “maracutaia”.
         Devo confessar com toda honestidade, paguei para trabalhar. A Prefeitura estava em péssima condição financeira, sem condição para melhorar os salários de seu pessoal. Desse modo vivi os primeiros meses com o ordenado que recebia da TVE do Ceará. Mais tarde, ainda na gestão do Bernardino, as coisas começaram a melhorar, quando passei a viver com o ordenado da Prefeitura, economizando alguma coisa em Fortaleza.
         A gestão do Bernardino foi bastante proveitosa, dinâmica, e, apesar do curto espaço de tempo, ele realizou muitas obras. Recuperou todas as escolas do Município, construiu muitas pontes, construiu uma escola na Baixa Funda, localidade situada a 200 quilômetros da sede. Um lugar tão atrasado, que as crianças de lá nunca tinham visto uma telha, as primeiras, mandadas de Balsas para o Grupo Escolar, estavam servindo de admiração para elas:
         - “Olha aí, vai ser coberto é com essas canoinhas”, era o que diziam. Os tijolos foram também levados de Balsas até lá em caminhão, através de péssima estrada de rodagem. Chegavam aos trancos e barrancos; cada motorista só ia lá uma vez e nunca mais queria repetir a dose; quase sempre tinham os seus caminhões danificados, um sufoco danado.
         Bernardino cuidou bastante de todas as praças da cidade, criou uma empresa para remoção do lixo, preocupou-se muito com o embelezamento, arborizando ruas e praças com árvores adquiridas em São Paulo, com o maior sacrifício. Pode-se dizer que fez uma administração fecunda, apesar das dificuldades encontradas.
         Reorganizou os serviços de aforamento  de terrenos, que antes era um horror.
         Interrompeu praticamente a sua gestão, vítima de pavoroso desastre aéreo na cidade de Imperatriz, onde faleceram todos os passageiros e tripulantes do avião que viajava. Foi um acontecimento que consternou a cidade inteira, conseguindo abalar toda a população, notadamente as camadas mais pobres, onde ele era bastante querido.
         Sobre esse assunto, o desastre que ceifou a vida desse grande balsense, devo dizer que ele tinha verdadeiro pavor de viajar de avião.
         Aliás, houve três acontecimentos que marcaram esse trágico desastre. Primeiro: ele não queria viajar, estava indeciso. Foi, para atender aos insistentes apelos do seu colega de Codó, que desejava a sua presença naquela cidade. Segundo: a viagem chegou a ser cancelada em virtude de defeito no avião que vinha apanhá-lo. Esse fato ele me comunicou com a maior alegria:
         - Alberto, graças à Deus não vou mais. O avião não virá, está com defeito. Foi o que ele me disse. Mais tarde chegou a orientação para que ele seguisse para pernoitar na Fazenda Cíntia, do Governador, o que foi feito. Eu afirmo que ele foi com má vontade. Terceiro: no dia do seu regresso, em avião da “VOTEC”, recebeu uma sugestão do Governador Luís Rocha, dizendo que desistisse da passagem para que fosse depois em avião do governo. Parece que o seu dia estava marcado. Não houve argumento que o convencesse a ficar, visto que tinha um importante compromisso naquele dia em Balsas. Veio a fatalidade e tudo se consumou numa fração de tempo. Estava encerrada a vida de um grande médico, grande político, grande Prefeito, bom filho, bom pai, bom amigo.
         Desejo assinalar ainda, para aumentar o número de fatos extraordinários nesse episódio, que os vôos da VOTEC estavam suspensos na linha de Balsas. E foi por influência do próprio Bernardino que a Companhia resolveu voltar a operar. Ele foi pessoalmente à Brasília com a missão de influir junto às autoridades, no sentido de reatar aquela linha aérea. Na primeira viagem que fez depois da re-inauguração, perdeu a sua preciosa vida. Coisas do destino.
         Na gestão do Bernardino foi criada a “ABAS” (Associação Balsense de Assistência Social), cujo Estatuto tive a honra de elaborar, tendo também a Zisile contribuído bastante nos seus primeiros dias de vida. É uma entidade que tem prestado relevantes serviços, notadamente entre as classes menos favorecidas.
         No dia seguinte ao falecimento do Bernardino, compareci juntamente com o Gonzaguinha, à residência do novo Prefeito, Heliodoro Souza, com a finalidade de colocar em suas mãos o cargo de Secretário de Finanças, visto ser muito natural que tivesse gente de sua confiança para trabalhar com ele.
         Confesso que até então tinha pouco conhecimento com o Heliodoro e a recíproca era verdadeira. Ele praticamente não me conhecia. Depois de longa conversa que tivemos, recebi o apelo para que ficasse. Quase que uma “ordem”, pois disse ele que não tinha experiência e que necessitaria muito de mim. Experiência no serviço público, quero deixar claro, visto que na vida prática é um grande comerciante. Resolvi ficar, para concluir o tempo em que estava à disposição do Governo. Trabalhei mais cerca de dois anos e meio na gestão do novo Prefeito, e posso afirmar que a sua atuação foi uma agradável surpresa, não só para mim mas para a maioria do povo de Balsas, em face das grandes realizações processadas.
         Concluiu todas as obras iniciadas no período anterior. Só isso aí já é um fato raro no interior. Mas, não ficou por aí: construiu praças, abriu novas ruas, construiu casas populares em regime de mutirão, melhorou a merenda escolar, aumentou bastante a eletrificação urbana e rural e deu total apoio ao ensino municipal, construindo muitas escolas públicas. Foi um grande Prefeito, no meu modo de analisar. As gerações futuras haverão de reconhecer que Heliodoro Souza foi um ótimo administrador, contribuindo, em muito, para o surto de progresso obtido em sua cidade no seu período.
         Em seguida tive uma recaída daquele velho mal que me pegou em Teresina e viajei para Fortaleza em busca de recursos médicos. Infelizmente não consegui melhoras e voltei a Balsas já com o propósito de deixar o cargo e afastar-me definitivamente da vida pública. Foi o que fiz. Chegando lá, comuniquei a minha decisão ao Prefeito e iniciei os preparativos para a minha viagem de retorno.
         Cabe aqui uma referência especial ao grande amigo Wálber Queiroz, que em duas ocasiões me prestou grandes favores: primeiro quando colocou um avião de sua propriedade, em sociedade com o deputado Francisco Coelho, à minha disposição para viajar até Teresina, para atender a uma emergência em doença em pessoa de minha família. Segundo quando cedeu um caminhão para transportar a minha mudança, incluindo aí o motorista e tudo o mais. São acontecimentos como esses, que fazem a gente não perder a crença na humanidade. Existe muito “cabra” ruim neste mundo mas, em compensação, existem amigos como o Wálber, que sem o menor interesse, prestam favores desta natureza, que a gente jamais pode esquecer. Lembro-me de que quando lhe falei para conseguir o carro, a sua resposta foi imediata, não pensou duas vezes:
         - Na hora, mando este aqui, disse, referindo-se à camioneta que estava dirigindo. Depois, por conveniência minha, cedeu-me um caminhão.
         Pode colocar o meu nome do rol dos seus amigos, Wálber. Muito obrigado e que Deus lhe pague.
         Outro que não pode ser esquecido aqui é o deputado Francisco Coelho, com quem trabalhei em sua campanha, ajudei na formação do Partido da Frente Liberal (PFL), de Balsas. Prestou-me grandes favores durante o tempo em que lá estive. Tenho a grande satisfação de dizer que colaborei na sua aproximação com o Bernardino, quando politicamente estavam afastados. Eu sabia que aqueles dois jovens unidos seriam imbatíveis na política de Balsas. É um que pode ser incluído no seio dos bons amigos.
         De igual forma, aqui vai a minha gratidão ao meu sobrinho e amigo Adalberto Pereira Lima, que, tão logo tomou conhecimento de que eu e a Zisile tínhamos necessidade de viajar urgente para Fortaleza, no caso da operação do João Ribeiro, sem mais delongas encheu o tanque da sua camioneta “Pampa” e prontificou-se a nos levar até Fortaleza. Depois, foi por lembrança e interferência sua que conseguimos o avião. Fica registrado o fato,  com os nossos melhores agradecimentos.
         Os preparativos para a “marcha de retirada” merecem alguns registros. Não podemos esquecer a festa de despedida organizada pela Prefeitura, as palavras de agradecimento do Prefeito, bem como as manifestações de apreço recebidas de todos os colegas e amigos.
         Na hora da “liquidação” os bens móveis, utensílios domésticos, foi uma graça. Nessas ocasiões é muito comum aparecerem os amigos de toda ordem, o que nos obrigou a fazer uma distribuição cuidadosa, justa e honesta dos pertences. Lembro-me de que uma geladeira “Cônsul”, seminova, que foi dada a uma criatura que não sei nem o seu nome e ela também não sabe o meu. Só sei que é filha de uma lavadeira da Tia Lourdes Pereira. É que, por intermédio do Gonzaguinha, soube que essa pessoa tinha imenso desejo de possuir uma geladeira, para começar sua vida com um pequeno botequim na beira do Rio Balsas. Ainda me lembro com satisfação do momento em que a mãe dessa criatura foi lá em casa para receber a notícia de que a sua filha ia ganhar esse presente, foi até perto, abraçou a geladeira e disse:
         - Meu Deus, eu não acredito...
         Até a própria Prefeitura foi contemplada. Não que precisasse, não é o caso, mas por que os objetos estavam lá e eu não quis retirá-los. Achei deselegante. Deixei lá uma máquina de escrever “Olivetti”, uma outra de calcular e um insignificante objeto que era de minha estimação: um apontador de lápis de fabricação japonesa. Estão todos em boas mãos. Faço votos que tenham um bom uso deles.
         Regressando definitivamente para Fortaleza, bastante abatido por motivo de doença, resolvi “pendurar as chuteiras”. Com 67 anos de idade, depois de percorrer uma longa e difícil caminhada, julgando ter cumprido a contento todas as missões que me foram confiadas. Com a consciência tranqüila do dever cumprido, sem nada na mente que possa causar vergonha a mim ou a meus familiares, disposto a repetir tudo de novo se necessário fosse.
         Com os filhos criados, aqui estou escrevendo estes rápidos traços, apenas com a finalidade de registrar um ou outro acontecimento que mereça atenção, apenas para mim.
         Não guardo ódio nem ressentimento de ninguém. Espero que o mesmo aconteça dos outros para comigo. Neste sentido foi a minha atenção, acreditando, assim, ter alcançado o meu real objetivo de vida.
         E como nada mais foi dito e nada me foi perguntado fica registrado o meu depoimento.