quarta-feira, 29 de junho de 2011

A ÚLTIMA VIAGEM DE BALSA

         Para mim, esta maravilhosa aventura terminou no mês de janeiro de 1939. Foi a última vez que participei de uma viagem desse tipo, a qual tenho na memória como uma das  mais gratas recordações.
         Eram ao todo cinco balsas. Uma delas exclusivamente para os passageiros, as outras quatro estavam carregadas com gêneros de primeira necessidade, destinados à Floriano para serem comercializados. Tudo sob o comando do meu tio Cazuza, proprietário das mesmas.
         A balsa capitânia, se assim podemos chamar, era uma verdadeira residência, uma casa fluvial ambulante. Não tenho absoluta certeza, mas creio que viajaram ali cerca de vinte e cinco pessoas.
         Parentes e amigos, todos irmanados, participando das brincadeiras e gozando as delícias daquela maravilhosa viagem, que durou treze dias no percurso Balsas - Teresina.
         Os dias de hoje não permitem mais a realização de uma viagem assim. A pressa do dia-a-dia, a própria evolução dos tempos não admite mais uma aventura desse tipo. E quem perde com isso são as crianças, os jovens de hoje que não puderam conhecer essa beleza, esse encanto.
         Em cada cidade visitada no decorrer da viagem - Sambaíba, Loreto, São Félix, Benedito Leite, Uruçuí e tantas outras - era uma festa. Aquele grupo enorme de jovens, com sua alegria espontânea, invadia as cidades ribeirinhas, causando verdadeira admiração aos seus pacatos habitantes.
         Tudo era novidade, tudo era motivo para comentários e brincadeiras.
         Mas, ao lado dessa alegria toda, existiam também os perigos ou percalços. É preciso deixar claro que a balsa era uma embarcação rudimentar, não dispunha de recursos de navegação.
         Numa certa altura da viagem quase ia acontecendo uma catástrofe. O tio Cazuza avistou de longe uma grande lancha que vinha subindo o rio e pensou tratar-se de seu irmão João Clímaco, que nessa época era comandante de uma delas. Tinha uma correspondência para entregar para ele e acenou, agitando os braços, para chamar a atenção. Lá vinha a lancha em nossa direção quando o tio Cazuza percebeu que não se tratava da pessoa que ele imaginava. Procurou dar todos os sinais para esclarecer o engano, mas o comandante do lado de lá não entendeu e continuou em nossa direção.
         Nessa hora quase houve um pânico geral. Foi necessária a intervenção pessoal do tio Cazuza, ajudando o mestre da balsa na tarefa de desviar da lancha, o que conseguiu quase por milagre. Por diferença de um metro, se tanto, a nossa balsa entraria para debaixo da lancha, acontecendo um desastre de conseqüências imprevisíveis.
         Graças à Deus estamos aqui para contar a história.
         Em outra oportunidade, nessa mesma viagem, passamos por outro perigo muito grande. Rapazes e moças na maior algazarra tomavam banho ao redor da balsa, que deslizava suavemente rio abaixo. Sentado na coxia da balsa peguei o meu primo Pedro Ivo, que nessa época era uma criança, e coloquei o seu joelho sobre as minhas pernas, ocasião em que o menino escapou do meu controle e afundou no rio. Um pequeno desvio para debaixo da balsa teria sido fatal. A providência divina fez com que o seu irmão Esmaragdo tivesse a presença de espírito de segurá-lo pelo pescoço, salvando-o de morte certa.
         Quando chegamos em Benedito Leite embarcaram os dois irmãos gêmeos, Sebastião e Raimundo Leal, os quais mudaram completamente o panorama da viagem fazendo toda a sorte de diabruras. Ao atingirmos a cidade de Floriano o mestre da balsa chegou a declarar:
         - A viagem vinha até calma, depois que entraram esses dois guinés tudo mudou.
         Diga-se que os dois tinham a pele do rosto bastante cheia de pigmentos, daí a expressão usada pelo mestre.
         Lembro-me de uma repreensão muito forte que o meu tio Cazuza passou no mesmo mestre, em virtude de uma intervenção sua que não foi por ele bem aceita. As moças que viajavam conosco, ao chegar em Floriano, se prepararam para desembarcar e ao passarem por esse nosso amigo, ouviram dele essa expressão:
         - “Eta cheiro de muié pronta”.
         Por isso mesmo foi chamado à atenção pelo tio Cazuza, que lhe disse:
         - Deixe de saliência, mestre, ponha-se no seu lugar.
         Naquele tempo havia mais respeito.         No mais, tudo correu bem . Fizemos essa magnífica viagem, que para mim foi a última. Hoje o ciclo de viagens de balsa está definitivamente encerrado. O progresso acabou com tudo.
         Foi o preço que tivemos que pagar.

Nenhum comentário: