quarta-feira, 29 de junho de 2011

A MUDANÇA PARA FORTALEZA

         No início do ano de 1960 decidimos a nossa mudança para Fortaleza.  Foi um fato até certo ponto engraçado visto que a escolha da cidade foi feita mediante sorteio. O João Ribeiro estava sofrendo de bronquite asmática, daí a nossa decisão.
         Colocamos num chapéu o nome de quatro cidades e mandamos que ele retirasse um - o que foi feito - aparecendo o nome de Fortaleza. Começamos os preparativos para a mudança vendendo alguma coisa, inclusive as casas, a fim de juntar alguns trocados para não chegarmos por aqui totalmente “lisos”, com as mãos abanando, como se diz.
         Viajamos de avião e chegamos por aqui em dezembro de 1960. Lembro-me que foi um dia de sábado pela madrugada. Na manhã de domingo saímos para assistir missa na Igreja de Fátima e ao voltarmos vimos que havia uma “Kombi” estacionada em nossa porta. De longe não conseguimos saber de quem se tratava. Chegando mais perto verificamos que era o Petrônio Leitão e Valmira, que, informados pela Maria de Lourdes de nossa vinda, já havia reservado para mim um emprego como Contador da Cooperativa da Construção. Diga-se que o Petrônio era Delegado do IAPC, na época em que eu trabalhava no Piauí. Assim, sem saber, eu já estava empregado, assumindo o cargo no início de janeiro. Foi uma agradável surpresa esse nosso início de vida nesta bela “Fortaleza”.
         A Cooperativa da Construção funcionou muito bem até 1963, quando começou a entrar em colapso por razões de algumas medidas do governo federal, interessado em acabar com as Cooperativas de Crédito. Bem, mas isto não vem ao caso. O fato é que o Banco Central decretou a sua liquidação extrajudicial e eu fui “premiado” para ser o Liquidante, uma das tarefas mais difíceis que já enfrentei em toda a minha vida. Confesso que se tivesse algum inimigo, não desejaria para o pior deles a função de Liquidante de uma Cooperativa de Crédito.
         Apesar de tudo, das dificuldades, das incompreensões, dos tropeços de toda ordem que aparecem, da pressão que o Banco Central exerce em tais casos - e com alguma dose de razão - consegui levar o processo até o final, obtendo voto de louvor do Delegado do Banco Central (Dr. Francisco Costa), que, em caráter absolutamente particular, e em face de nossa amizade durante os nosso trabalhos de liquidação, mostrou-me a parte final do Relatório de Encerramento, onde dizia mais ou menos o seguinte:
         - Chegou a bom termo a liquidação desta Cooperativa, graças à extraordinária atuação do seu Liquidante, senhor Alberto Ribeiro da Silva, que atendeu satisfatoriamente a todas as exigências do Banco Central”.
         Considero uma grande vitória, visto como a liquidação de outras cooperativas por aqui terminaram em escândalos, o que não ocorreu com a nossa.
         Ainda quando estava no exercício de cargo de liquidante, recebi o convite para o cargo de Contador da Ceará Motor S.A. (revendedora de veículos), pertencente ao Sr. Antônio Palácio de Queiroz. Trata-se de uma Sociedade Anônima (S.A.) fechada, muito bem administrada, uma das mais conceituadas do país. Trabalhei ali por algum tempo, tendo saído por minha livre e espontânea vontade, recebendo tudo a que fiz jus. Graças a Deus deixei por lá muitas amizades, desde o mais humilde lavador de carros ao mais alto dirigente. Ainda hoje quando passo por lá sou bem recebido. Disse-me um dos diretores daquela firma, Sr. Francisco Oliveira, que, do seu conhecimento, foi o único funcionário de certa categoria que saiu da firma sem criar o menor problema. Muito ao contrário, mesmo depois de ter deixado a função foi chamado inúmeras vezes, aos sábados, para orientar o novo contador, meu amigo Lavor, que não estava bem entrosado no assunto.
         Deixei por lá um exemplo que muito me honra. Durante a minha gestão, nunca houve qualquer atraso na entrega dos balancetes e balanços.
         Estava ainda na Ceará Motor, quando um certo dia recebi um telefonema de um amigo oferecendo uma oportunidade melhor,  para trabalhar como contador de uma distribuidora de títulos da Cofinorte S.A., que era a Fortval S.A., do importante grupo J. Macedo S.A.
         Em matéria de salário era bastante vantajoso. Havia também outras vantagens, como o local de trabalho, melhores instalações etc.
Resolvi aceitar o convite e comecei a trabalhar. Logo nos primeiros dias de trabalho comecei a notar uma certa irregularidade cometida pelo diretor administrativo e pelo chefe de vendas, dois elementos estranhos no grupo J. Macedo, mas que até então gozavam de bom conceito. Por uma questão de ética, desejo omitir aqui os seus nomes. Tinha início aí uma verdadeira batalha que travei com os citados elementos. Não podia aceitar aquele tipo de coisa e passei nada menos do que seis meses em polêmica com os “camaradas”. Lembro-me muito bem que em uma reunião da diretoria, à qual compareceu o presidente, Dr. Fernando Macedo, eu disse uma porção de coisas durante a sessão e por isso fui censurado pelos mesmos. Perguntei a eles porque não gostaram do que eu havia dito, tendo um deles respondido:
         - Existem certas coisas dentro de uma firma, que não devem ser levadas ao conhecimento do "Chefão”. Foi assim mesmo que ele disse.
         Reagi até com certa violência, fazendo ver que eu desconhecia qualquer assunto que devesse ser escondido. Foi a gota d’água; daí para frente as coisas se complicaram. Um certo dia resolvi levar ao conhecimento do Dr. Fernando Macedo as minhas desconfianças e asseverar mesmo que havia uma irregularidade na firma, que eu não sabia onde, com um prejuízo que eu avaliava em setecentos a oitocentos mil cruzeiros - na época uma importância bastante grande. Capaz de assustar qualquer um. Foi determinada uma inspeção interna, sob o comando do Dr. João de Medeiros Marques, meu velho conhecido ainda do IAPC. Depois de um mês de trabalho não conseguiu descobrir nada e deu ciência do fato ao Dr. Fernando, que me chamou ao seu gabinete para pedir explicações. Confirmei tudo que eu havia dito anteriormente, mas, com uma ressalva. Antes que eu falasse alguma coisa, Dr. Fernando me perguntou:
         - O rombo é maior? Perguntou com certa apreensão.
         - Sim, respondi com toda a convicção. A única coisa que eu desejo modificar é o tamanho do “buraco”. Foi um Deus nos acuda.
         Neste tempo recebemos a primeira inspeção do Banco Central, comandada pelo competente inspetor José Gerardo do Carmo, ao qual participei as dúvidas que eu tinha, recebendo a informação de que eu tinha plena razão e que poderia contar com o respaldo do Banco Central. É bom deixar bem claro que o BC já tinha recebido denúncia de tais irregularidades e que desejava apurá-las.
         Nessa primeira inspeção não houve nada. Foi apenas superficial. Mais tarde chegou outra, ainda mais rigorosa, com poderes para penetrar a fundo na questão. Nessa ocasião ao disse ao Dr. José Gerardo que duvidava que no Banco Central ou no Brasil inteiro, tivesse alguém capaz de retificar os erros existentes, mediante estorno e que tudo só seria esclarecido através do que em contabilidade se chama “balanço físico”. Isto é, a anulação de tudo para verificar o que realmente existia dentro da firma. Ele achou que não, que havia exagero da minha parte e deu início a uma verdadeira devassa em toda a escrituração. Depois de dois meses de trabalho, com a sua mesa já repleta de papéis de toda ordem, chamou-me ao seu gabinete e disse:
         - Alberto, vamos proceder da forma como você sugeriu. Efetivamente a coisa está muito difícil.
         Nesse meio termo eu já tinha tido um entendimento com os diretores, informando-os que a situação era insustentável e pedindo autorização para colaborar com o Banco Central. Foi dramático o meu encontro com os dois, mas acabaram por concordar, em colocar tudo em “pratos limpos”.
         Conclusão: o Grupo Macedo, convencido que eu tinha total razão, resolveu se desfazer da Fortval e da Cofinorte, liquidando ambas e cobrindo integralmente todo o prejuízo que efetivamente existia. Não houve qualquer danos a terceiros e tudo foi resolvido a contento. A liquidação das duas firmas foi acompanhada por dois componentes funcionários do Grupo, João Carvalho e Reino Pécala Ray, os quais me chamaram para assessorá-los em seu trabalho.
         Depois de toda essa batalha terminada, posso dizer, com vitória total de meus pontos de vista, é que veio aquilo que eu classifico como “a grande besteira de minha vida”. Dizem que todo homem tem direito a isso e eu não fugi à regra.
         Pedi para sair, pois me encontrava bastante cansado. Hoje reconheço que não deveria ter agido assim, não adianta chorar “o leite derramado”. O próprio Dr. Fernando Macedo me convocou ao seu gabinete para perguntar o que estava havendo, pois era seu desejo indicar o meu nome para o quadro de inspetores do Grupo. Fiz ver a ele as minhas razões, colocadas a meu modo, e este não teve outra alternativa a não ser concordar.
         Estava funcionando nesta época o Conjunto Musical “Big Brasa”, fundado pelo João Ribeiro e um grupo de amigos, com o qual fui trabalhar por algum tempo. Sobre o mesmo desejo fazer algumas considerações no decorrer desse trabalho.
         O “Big Brasa” foi fundado no dia 8 de março de 1967. A data da fundação foi uma homenagem ao Getúlio, que faz aniversário nesse dia. Estava eu tranqüilamente em casa, quando recebo a visita do João Ribeiro e seu grupo para solicitar a minha adesão à idéia. De início fui radicalmente contrário, mas, depois, com a interferência da Zisile, resolvi aceitar a tarefa e demos começo ao trabalho.
         No começo foi tudo muito difícil. Basta dizer que todos os instrumentos eram de segunda mão, inclusive alguns de fabricação caseira, como o caso das guitarras, feitas pelo Barretinho, um amigo que também era do ramo. A primeira bateria pertencia à “Charanga do Gumercindo” e já estava encostada como imprestável; recuperada convenientemente nos prestou grandes e inestimáveis serviços.
         Num verdadeiro rasgo de coragem aceitamos sair do Estado do Ceará, seguindo para cumprir contratos em Teresina, e posteriormente até Balsas. Sendo que foi o primeiro conjunto de guitarras a aparecer por aquelas bandas. Houve lá um episódio engraçado: no dia da chegada do Conjunto, em meio aos comentários que se fazia, um tipo popular da cidade, chamado “Panelada”, me abordou na rua e perguntou:
         - “Seu Alberto, como é mesmo o nome dos instrumentos, é guitarra ou é tarracha?” ao que respondi brincando:
         - É tarracha sim, Panelada, é um conjunto de “tarrachas”.
         Depois de Balsas fomos até Carolina, em dois aviões “teco-teco” onde fizemos duas festas e algumas apresentações com bastante sucesso.
         Terminada a temporada no Sul do Maranhão voltamos de avião para Teresina, de onde pretendíamos seguir de ônibus de volta a Fortaleza. Para surpresa nossa não encontramos passagem e tivemos que voltar mesmo de avião, comprometendo todas as reservas obtidas na empreitada. Chegando a Fortaleza “mais liso do que calcanhar de cotia”, mas bastante satisfeitos, pois realizamos uma aventura muito gratificante.
         O Conjunto, posteriormente, recebeu convite para ir a São Luís, para fazer duas festas. Uma delas no Clube dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar, ocasião em que o seu Presidente era o pai da hoje famosa cantora Alcione. Naquela noite fomos solicitados a deixar que uma mocinha, filha do Presidente, cantasse algumas músicas acompanhadas pelo Conjunto, o que foi atendido com prazer. Lá veio ela com seu vestido branco, pegou o microfone e cantou alguns números; sucesso total. Pois bem, essa mocinha não era outra senão a Alcione, antes de começar sua brilhante carreira, que todos conhecem muito bem.
         Ainda em São Luís tocou no “Cassino Maranhense” uma festa bastante concorrida, dando cumprimento ao contrato. Tudo correu bem nessa temporada, embora não se possa dizer, a bem da verdade, que tenha havido “estrondoso” sucesso. Era impossível, em face das condições materiais e da pouca experiência do Grupo.
         A convite do Dr. Faustino de Carvalho e Silva e do Dr. Aluízio Ribeiro da Silva, Gerente do Banco do Brasil e Juiz de Direito de Caxias no Maranhão, respectivamente, fomos àquela cidade para uma breve temporada. Ali se pode dizer que o Conjunto fez sucesso. Era novidade na época e, modéstia à parte, o Conjunto já estava mais bem equipado.
         Nessa época o Getúlio, ainda uma criança, fazia parte do Conjunto tocando pandeiro e justiça se faça, era uma atração. Muito bem trajado, cabelos longos, todo mundo o achava interessante.
         O João Ribeiro, na qualidade de guitarrista, já ensaiava os primeiros passos para se tornar mais tarde, na opinião geral, o maior guitarrista do Ceará. Isto era voz geral.
         Foi à Parnaíba em algumas temporadas, sempre com bastante sucesso. Lembro-me em que em uma das vezes estávamos com contrato para tocar em Limoeiro do Norte, e por insistência do Radialista Paulo Lima Verde, fomos induzidos a mandar outro Conjunto em nosso lugar, para atendê-lo no contrato que havia feito em Parnaíba. Resultado: “nem mel e nem cumbuca”. Até hoje não vimos a cor do dinheiro dessa temporada. Foi a mesma coisa que “amarrar no rabo de um veado que nunca viu gente e soltar um foguete atrás”. Foi-se com seiscentos mil diabos...
         Durante mais ou menos cinco anos o nosso “amigo” Augusto Borges, acompanhando os cantores que se apresentavam no Programa “Show do Mercantil”, na TV Ceará - Canal 2, da extinta Rede Tupi de Televisão. Não se falando da parte promocional, de que qualquer maneira serviu, financeiramente foi um desastre. Trabalha-se muito, mas o ganho era “desse tamanhinho”...
         Um certo dia resolvemos sair da TV Ceará, por incompatibilidades salariais e continuar com as apresentações normais. O Conjunto participou de dois Festivais de Música Popular Nordestina, em Recife, acompanhando cantores da terra, sendo que a música cujo arranjo musical foi feito pelo João Ribeiro, obteve o segundo lugar. Decisão bastante contestada, visto que bem merecia o primeiro lugar. Esta foi a opinião de grande parte dos que participaram do referido Festival.
         Em certa ocasião, acompanhando o cantor Ednardo, numa apresentação no Teatro José de Alencar, o João Ribeiro conseguiu, acompanhando-o na guitarra e flauta, abafar por completo o brilho do dono da festa. Só se ouvia na platéia o grito: “Boa, Beiró” - com muitas palmas para o acompanhante. O Ednardo não gostou.
         Na temporada de Caxias houve um episódio que bem merece registro.  Foi o seguinte: em plena festa, quando o João Ribeiro tocava um dos seus melhores números, levantou-se um cidadão, comerciante local que não me lembro o nome, e disse, dirigindo-se à Zisile:
         - Minha Senhora, o seu filho é um “ladrão” na guitarra.
         No Maranhão essa é uma expressão carinhosa, diz-se que o camarada é “ladrão” quando é muito bom em determinada coisa. Foi tudo maravilhoso, pois como maranhense eu conhecia os costumes da terra.
         Em linhas gerais foi essa a atuação do Conjunto Musical “Big Brasa”. É lógico que muitos outros episódios ainda serão narrados no decorrer desse trabalho.
         Antes de terminar, acho de inteira justiça ressaltar a atuação da Zisile junto ao “Big Brasa”. Fez de tudo, desde tolerar os abusos de certos elementos que passaram por lá, que exigiam até o tipo de comida que deveriam ter (havia tempo em que alguns deles praticamente moravam aqui em nossa casa). Até a aquisição de material para o Conjunto, como foi o caso da primeira bateria “Pingüim”, comprada com o dinheiro dos bordados que fazia na época. Tenho a impressão de que sem a Zisile o ‘Big Brasa “não teria durado nem a metade do tempo”.
         No começo o Conjunto estava sob meu comando. Depois passei tudo para o João Ribeiro, que conduziu tudo com muita competência e firmeza.
         Mais adiante, estava numa noite assistindo a um ensaio, quando recebo a visita de um velho amigo do Piauí, Benício Melo, acompanhado de um filho médico, para, por indicação do Delegado do Banco Central, convidar-me para ser Presidente de uma sociedade médica chamada SAMI (Serviço de Assistência Médica à Infância), que funcionava na Avenida Tristão Gonçalves. Aceitei o convite e lá fiquei durante os dois anos de mandato, conforme o Estatuto da referida entidade. Tenho absoluta certeza de que desempenhei a contento essa honrosa função, pois o patrimônio da firma cresceu bastante, inclusive com a aquisição de um prédio vizinho ao hospital, que era o sonho de todas as gestões anteriores.
         Pouco tempo depois da minha saída houve sério atrito entre os donos, todos médicos, e a sociedade foi extinta. Confesso que nunca soube o resultado, mesmo por que entrando para outra atividade completamente diferente não tive mais tempo de fazer contato com o pessoal. Ainda no SAMI recebi o convite do Cel. José Carneiro da Cunha para ser o seu Assistente da Administração da TV Educativa do Ceará, na época ainda pertencente à FUNEDUCE (Fundação de Educação do Ceará).
         Por indicação do Pe. Gerardo Campos, casado com a Dra. Arides, uma das diretoras do SAMI, compareci a uma entrevista com o Cel. Carneiro, que imediatamente levou-me ao gabinete do Cel. Artur Torres de Melo.
         Depois de uma rápida conversa, em que ambos fizeram uma espécie de teste comigo, fui indicado para assumir o cargo de Contador de TV Educativa.
         A minha primeira passagem pela TV Educativa foi marcada por muitas divergências com o Superintendente, Cel. Artur, motivadas pela diferença de método de trabalho entre eu e ele. O Superintendente era um engenheiro militar, pessoa de gênio muito forte, mas diga-se a bem da verdade, possuidor de um grande espírito humanitário. Era violento, na hora desejava arrasar tudo, mas, depois, sabia ouvir as ponderações de gente mais calma, como eu. No final das contas demonstrou o seu grande coração.
         Muitas e muitas vezes fui chamado ao seu gabinete para executar ordens duras, medidas que no meu entender eram violentas. Nessas ocasiões aconteciam os choques entre nós. Dentro do meu espírito de trabalho fazia ver a ele que aquilo poderia resultar numa injustiça. Coisa que eu sabia que ele não desejava cometer. Acabava cedendo, reconheço as suas grandes qualidades, aqui e ali com algumas imperfeições, tão naturais no gênero humano. As suas boas qualidades superam em muito os pequenos defeitos. No final nos tornamos bons amigos. Por ocasião de sua saída fui citado em seu discurso de despedida, fato que muito me honrou. Quando fui cumprimentá-lo, na despedida, pedi desculpas por alguma coisa e ele disse que não tinha a menor queixa de nada, tanto assim que me elogiou no seu discurso.        Acho que desempenhei bem a minha missão no cargo.
         Com o Cel. Carneiro tudo decorreu da melhor forma. Ficamos bons amigos e ainda hoje, quando nos encontramos, recordamos com alegria os bons tempos vividos ali. Com a saída do Cel. Artur e do Cel. Carneiro, no lugar deste foi nomeado o Sr. José Esmeraldo Barreto, funcionário aposentado do Banco do Brasil. Trabalhei algum tempo ainda, fizemos boa amizade, mas já estava na minha cabeça a idéia de voltar para uma outra tentativa em Balsas. Desta vez com um escritório de serviços gerais.
         Por volta de 1978 solicitei a minha demissão, de livre e espontânea vontade. Recebi todos os direitos, “arrumei a trouxa” e lá fomos novamente para Balsas. É a tal coisa: “umbigo enterrado por lá, a gente não perde o desejo de voltar ao ninho antigo”.
         Aí é que foi outra grande besteira de minha vida, - a segunda. O escritório em Balsas redundou em completo fracasso, não por falta de serviços, que até apareceram muitos, mas por falta do “vil metal” - aquela velha história, todo mundo amigo, depois do serviço pronto, “Obrigado Alberto, depois a gente acerta”; e até hoje...
         Até que em termos de rever os amigos, de fazer novas amizades, foi tudo muito bem, não tenho a menor queixa. Fui muito bem tratado pelos parentes e amigos, mas em matéria financeira foi um fracasso total. Não agüentei muito tempo. Antes de completar um ano já estava novamente de volta para Fortaleza.
         Desejo aqui deixar gravado o meu eterno agradecimento ao meu grande amigo Moisés Coelho, meu primo e colega de infância, homem de extraordinária capacidade de trabalho, de poucas letras, mas de rara competência e inteligência, capaz de botar pra trás muito doutorzinho por aí. Por que não dizer, uma das criaturas mais inteligentes que eu conheci em toda a minha vida. O Moisés era capaz de façanhas incríveis. Redigia um contrato de qualquer natureza com rapidez e perfeição. Eu mesmo tive a oportunidade de constatar isso. Fazia negócios de toda ordem, comprava e vendia casas, bois, cavalos, jumentos, tudo que aparecesse. Sabia fazer negócios, era possuidor do que se chama “tino comercial”. Deixou a família muito bem situada na vida, todos os filhos formados, médico, dentista, engenheiro, comerciante etc., inclusive o Dr. Moisemar Coelho, que fez uma  grande administração naquela cidade.
         Pois bem, eu ia falando do agradecimento ao Moisés e interrompi com outro assunto. Ele mandou me deixar aqui em Fortaleza em uma camioneta de sua propriedade, tendo providenciado tudo, até o motorista. E olhem que de Balsas a Fortaleza são mais de 1.300 quilômetros; era amigo ou não era? Obrigado Moisés, faço sincero votos para que o Grande Arquiteto do Universo ilumine e guarde a sua alma em bom lugar, que você merece muito. Homens como você hoje estão em extinção em nosso país.
         Aqui chegando dessa fracassada tentativa fui trabalhar num escritório de planejamento, do Sr. Manoel Messias, mas por pouco tempo. Serviço extremamente chato e, além do mais, fora da minha especialidade. Acho que não cheguei a trabalhar lá nem dois meses. Logo recebi um chamado do Sr. José Barreto, de quem já falei anteriormente. Confesso que não tinha a menor idéia do assunto que desejava comigo. Atendi ao seu chamado alguns dias depois, e a minha grande surpresa é que era para perguntar se eu desejava voltar a trabalhar na TV Educativa. Disse a ele que era difícil, visto que a minha vaga de Contador já estava preenchida por outro. Aí veio o fato que considero raro: disse ele que conseguiria alterar o quadro de pessoal da TVE, criando mais um cargo de Contador só para conseguir a minha volta, o que realmente foi feito. Foi ótimo para mim, pois onde eu estava trabalhando não me agradava de maneira alguma.
         Reassumi o cargo de Contador em fins de 1979, tendo ficado exercendo a função até o início de 1982, quando, a convite do Governador Luís Rocha - que atendeu a uma solicitação do meu primo e amigo Bernardino, então prefeito de Balsas, - fui designado para ficar à disposição do Governo do Maranhão, para servir novamente em Balsas, na gestão do Bernardino. Por decreto desse, fui nomeado Secretário de Finanças da Prefeitura. Na minha gestão tive alegrias e decepções, começando no dia da posse, quando, levando ao conhecimento do pessoal a maneira pela qual desejava conduzir o trabalho, fui advertido por uma antiga funcionária, que me disse:
         - Seu Alberto, vou lhe dizer uma coisa: aqui em Balsas não fale na palavra “empenho”. Se o senhor disser que vai mandar empenhar as compras da Prefeitura, fique certo de que não compra um só tostão. O comércio daqui tem horror a isso.
         Vejam que dificuldade eu teria pela frente, tendo em vista que essa providência é indispensável no serviço público. Aos poucos as coisas foram entrando nos eixos.
         Procurei ordenar as atividades, fazer todos os pagamentos mediante processos regulares, bem informados, com cheques normais, “empenho prévio” e enfim, essas coisas de rotina que deveriam ser normais em toda parte.
         Lembro-me que um dia estava um amigo meu, de longas datas, pessoa que até tem certa influência na cidade, esperando o pagamento de um serviço que tinha feito para a Prefeitura. E, em face de alguma demora em sair o cheque, usou o seguinte para expressar a sua desaprovação ao novo sistema:
         - Depois que o Alberto inventou essas frescuras de empenho, processo, cheque nominal, tudo ficou muito pior. No tempo do prefeito anterior, ele me pagava era do bolso dele, eu assinava tudo em branco. Cansei de receber dinheiro até dia de domingo.
         Diante da minha argumentação, de que aquilo era irregular, ele disse simplesmente isso:
         -  E daí, eu estando com o meu no bolso, garantido, quero é que tudo se lasque.
         É difícil trabalhar com seriedade nesse nosso país, sem dúvida.
         De outra feita recebi recado de um empreiteiro de obras, pedindo para arranjar serviço para ele, com a informação de que:
         - Eu sei trabaiá com Prefeitura, - expressão dele. Fiquei confuso com a história e perguntei ao Raifran o que significava aquilo. O Contador, mais experiente que eu nesse assunto, respondeu:
         - “Ora, seu Alberto...”  Pronto, não foi preciso explicar mais nada, estava na cara que a sua intenção era fazer “maracutaia”.
         Devo confessar com toda honestidade, paguei para trabalhar. A Prefeitura estava em péssima condição financeira, sem condição para melhorar os salários de seu pessoal. Desse modo vivi os primeiros meses com o ordenado que recebia da TVE do Ceará. Mais tarde, ainda na gestão do Bernardino, as coisas começaram a melhorar, quando passei a viver com o ordenado da Prefeitura, economizando alguma coisa em Fortaleza.
         A gestão do Bernardino foi bastante proveitosa, dinâmica, e, apesar do curto espaço de tempo, ele realizou muitas obras. Recuperou todas as escolas do Município, construiu muitas pontes, construiu uma escola na Baixa Funda, localidade situada a 200 quilômetros da sede. Um lugar tão atrasado, que as crianças de lá nunca tinham visto uma telha, as primeiras, mandadas de Balsas para o Grupo Escolar, estavam servindo de admiração para elas:
         - “Olha aí, vai ser coberto é com essas canoinhas”, era o que diziam. Os tijolos foram também levados de Balsas até lá em caminhão, através de péssima estrada de rodagem. Chegavam aos trancos e barrancos; cada motorista só ia lá uma vez e nunca mais queria repetir a dose; quase sempre tinham os seus caminhões danificados, um sufoco danado.
         Bernardino cuidou bastante de todas as praças da cidade, criou uma empresa para remoção do lixo, preocupou-se muito com o embelezamento, arborizando ruas e praças com árvores adquiridas em São Paulo, com o maior sacrifício. Pode-se dizer que fez uma administração fecunda, apesar das dificuldades encontradas.
         Reorganizou os serviços de aforamento  de terrenos, que antes era um horror.
         Interrompeu praticamente a sua gestão, vítima de pavoroso desastre aéreo na cidade de Imperatriz, onde faleceram todos os passageiros e tripulantes do avião que viajava. Foi um acontecimento que consternou a cidade inteira, conseguindo abalar toda a população, notadamente as camadas mais pobres, onde ele era bastante querido.
         Sobre esse assunto, o desastre que ceifou a vida desse grande balsense, devo dizer que ele tinha verdadeiro pavor de viajar de avião.
         Aliás, houve três acontecimentos que marcaram esse trágico desastre. Primeiro: ele não queria viajar, estava indeciso. Foi, para atender aos insistentes apelos do seu colega de Codó, que desejava a sua presença naquela cidade. Segundo: a viagem chegou a ser cancelada em virtude de defeito no avião que vinha apanhá-lo. Esse fato ele me comunicou com a maior alegria:
         - Alberto, graças à Deus não vou mais. O avião não virá, está com defeito. Foi o que ele me disse. Mais tarde chegou a orientação para que ele seguisse para pernoitar na Fazenda Cíntia, do Governador, o que foi feito. Eu afirmo que ele foi com má vontade. Terceiro: no dia do seu regresso, em avião da “VOTEC”, recebeu uma sugestão do Governador Luís Rocha, dizendo que desistisse da passagem para que fosse depois em avião do governo. Parece que o seu dia estava marcado. Não houve argumento que o convencesse a ficar, visto que tinha um importante compromisso naquele dia em Balsas. Veio a fatalidade e tudo se consumou numa fração de tempo. Estava encerrada a vida de um grande médico, grande político, grande Prefeito, bom filho, bom pai, bom amigo.
         Desejo assinalar ainda, para aumentar o número de fatos extraordinários nesse episódio, que os vôos da VOTEC estavam suspensos na linha de Balsas. E foi por influência do próprio Bernardino que a Companhia resolveu voltar a operar. Ele foi pessoalmente à Brasília com a missão de influir junto às autoridades, no sentido de reatar aquela linha aérea. Na primeira viagem que fez depois da re-inauguração, perdeu a sua preciosa vida. Coisas do destino.
         Na gestão do Bernardino foi criada a “ABAS” (Associação Balsense de Assistência Social), cujo Estatuto tive a honra de elaborar, tendo também a Zisile contribuído bastante nos seus primeiros dias de vida. É uma entidade que tem prestado relevantes serviços, notadamente entre as classes menos favorecidas.
         No dia seguinte ao falecimento do Bernardino, compareci juntamente com o Gonzaguinha, à residência do novo Prefeito, Heliodoro Souza, com a finalidade de colocar em suas mãos o cargo de Secretário de Finanças, visto ser muito natural que tivesse gente de sua confiança para trabalhar com ele.
         Confesso que até então tinha pouco conhecimento com o Heliodoro e a recíproca era verdadeira. Ele praticamente não me conhecia. Depois de longa conversa que tivemos, recebi o apelo para que ficasse. Quase que uma “ordem”, pois disse ele que não tinha experiência e que necessitaria muito de mim. Experiência no serviço público, quero deixar claro, visto que na vida prática é um grande comerciante. Resolvi ficar, para concluir o tempo em que estava à disposição do Governo. Trabalhei mais cerca de dois anos e meio na gestão do novo Prefeito, e posso afirmar que a sua atuação foi uma agradável surpresa, não só para mim mas para a maioria do povo de Balsas, em face das grandes realizações processadas.
         Concluiu todas as obras iniciadas no período anterior. Só isso aí já é um fato raro no interior. Mas, não ficou por aí: construiu praças, abriu novas ruas, construiu casas populares em regime de mutirão, melhorou a merenda escolar, aumentou bastante a eletrificação urbana e rural e deu total apoio ao ensino municipal, construindo muitas escolas públicas. Foi um grande Prefeito, no meu modo de analisar. As gerações futuras haverão de reconhecer que Heliodoro Souza foi um ótimo administrador, contribuindo, em muito, para o surto de progresso obtido em sua cidade no seu período.
         Em seguida tive uma recaída daquele velho mal que me pegou em Teresina e viajei para Fortaleza em busca de recursos médicos. Infelizmente não consegui melhoras e voltei a Balsas já com o propósito de deixar o cargo e afastar-me definitivamente da vida pública. Foi o que fiz. Chegando lá, comuniquei a minha decisão ao Prefeito e iniciei os preparativos para a minha viagem de retorno.
         Cabe aqui uma referência especial ao grande amigo Wálber Queiroz, que em duas ocasiões me prestou grandes favores: primeiro quando colocou um avião de sua propriedade, em sociedade com o deputado Francisco Coelho, à minha disposição para viajar até Teresina, para atender a uma emergência em doença em pessoa de minha família. Segundo quando cedeu um caminhão para transportar a minha mudança, incluindo aí o motorista e tudo o mais. São acontecimentos como esses, que fazem a gente não perder a crença na humanidade. Existe muito “cabra” ruim neste mundo mas, em compensação, existem amigos como o Wálber, que sem o menor interesse, prestam favores desta natureza, que a gente jamais pode esquecer. Lembro-me de que quando lhe falei para conseguir o carro, a sua resposta foi imediata, não pensou duas vezes:
         - Na hora, mando este aqui, disse, referindo-se à camioneta que estava dirigindo. Depois, por conveniência minha, cedeu-me um caminhão.
         Pode colocar o meu nome do rol dos seus amigos, Wálber. Muito obrigado e que Deus lhe pague.
         Outro que não pode ser esquecido aqui é o deputado Francisco Coelho, com quem trabalhei em sua campanha, ajudei na formação do Partido da Frente Liberal (PFL), de Balsas. Prestou-me grandes favores durante o tempo em que lá estive. Tenho a grande satisfação de dizer que colaborei na sua aproximação com o Bernardino, quando politicamente estavam afastados. Eu sabia que aqueles dois jovens unidos seriam imbatíveis na política de Balsas. É um que pode ser incluído no seio dos bons amigos.
         De igual forma, aqui vai a minha gratidão ao meu sobrinho e amigo Adalberto Pereira Lima, que, tão logo tomou conhecimento de que eu e a Zisile tínhamos necessidade de viajar urgente para Fortaleza, no caso da operação do João Ribeiro, sem mais delongas encheu o tanque da sua camioneta “Pampa” e prontificou-se a nos levar até Fortaleza. Depois, foi por lembrança e interferência sua que conseguimos o avião. Fica registrado o fato,  com os nossos melhores agradecimentos.
         Os preparativos para a “marcha de retirada” merecem alguns registros. Não podemos esquecer a festa de despedida organizada pela Prefeitura, as palavras de agradecimento do Prefeito, bem como as manifestações de apreço recebidas de todos os colegas e amigos.
         Na hora da “liquidação” os bens móveis, utensílios domésticos, foi uma graça. Nessas ocasiões é muito comum aparecerem os amigos de toda ordem, o que nos obrigou a fazer uma distribuição cuidadosa, justa e honesta dos pertences. Lembro-me de que uma geladeira “Cônsul”, seminova, que foi dada a uma criatura que não sei nem o seu nome e ela também não sabe o meu. Só sei que é filha de uma lavadeira da Tia Lourdes Pereira. É que, por intermédio do Gonzaguinha, soube que essa pessoa tinha imenso desejo de possuir uma geladeira, para começar sua vida com um pequeno botequim na beira do Rio Balsas. Ainda me lembro com satisfação do momento em que a mãe dessa criatura foi lá em casa para receber a notícia de que a sua filha ia ganhar esse presente, foi até perto, abraçou a geladeira e disse:
         - Meu Deus, eu não acredito...
         Até a própria Prefeitura foi contemplada. Não que precisasse, não é o caso, mas por que os objetos estavam lá e eu não quis retirá-los. Achei deselegante. Deixei lá uma máquina de escrever “Olivetti”, uma outra de calcular e um insignificante objeto que era de minha estimação: um apontador de lápis de fabricação japonesa. Estão todos em boas mãos. Faço votos que tenham um bom uso deles.
         Regressando definitivamente para Fortaleza, bastante abatido por motivo de doença, resolvi “pendurar as chuteiras”. Com 67 anos de idade, depois de percorrer uma longa e difícil caminhada, julgando ter cumprido a contento todas as missões que me foram confiadas. Com a consciência tranqüila do dever cumprido, sem nada na mente que possa causar vergonha a mim ou a meus familiares, disposto a repetir tudo de novo se necessário fosse.
         Com os filhos criados, aqui estou escrevendo estes rápidos traços, apenas com a finalidade de registrar um ou outro acontecimento que mereça atenção, apenas para mim.
         Não guardo ódio nem ressentimento de ninguém. Espero que o mesmo aconteça dos outros para comigo. Neste sentido foi a minha atenção, acreditando, assim, ter alcançado o meu real objetivo de vida.
         E como nada mais foi dito e nada me foi perguntado fica registrado o meu depoimento.

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