quarta-feira, 29 de junho de 2011

O ALARICO

         Ele era membro de uma numerosa família de Balsas. Pessoal pobre, humilde, mas todos trabalhadores honestos, dignos de todo o respeito.
         Lembro-me de alguns de seus irmãos, como João Umbelino, Tonico, Sebastião. Sou balsense, nasci e lá e morei por muitos anos, sempre em contato com o seu povo e não me recordo de qualquer ato que possa desabonar nenhum deles. Bem, mas o que vem ao caso mesmo é o Alarico.
         Trabalhou toda a sua vida entre a nossa casa e a casa do meu tio Cazuza. Não saiu desse ciclo. Prestou relevantes serviços a todos nós. Foi um fiel servidor. Era retardado mental e bastante gago. Não casou. Acho que em toda a sua vida ninguém conhece um só caso de nosso bom Alarico envolvido com mulheres. Não era “gay”, não fique aí pensando coisas, leitor...
         Tinha uma característica especial que merece destaque: de posse de uma lata de querosene vazia, com a qual fazia o ritmo de acompanhamento, com a garganta imitava perfeitamente o som da sanfona e com isso animava o forró, para alegria da criançada.
         Durante o tempo que passou conosco foi protagonista de muita coisa engraçada. Por exemplo: um certo dia, ao tentar colocar um jumento dentro de uma canoa, para atravessar o rio, o bicho “empancou” e cismou de não entrar. Vocês sabem muito bem que o jegue é um animal extremamente teimoso e que depois de entender de não fazer uma coisa, não adianta forçar e nem bater, ele não faz mesmo.
         Bem, a verdade é que depois de muita luta o Alarico saiu-se com esta:
         -  Ô, sô, um burro bom é muito mió do que um jumento ruim. Grande descoberta.
         Se a gente perguntasse a ele:
         - Alarico, o que é o que é - branquinho, branquinho, redondinho, redondinho, que galinha preta põe?.  Ele pensava muito, repetia a pergunta várias vezes e depois respondia:
         - “Ié, ié, ié, capaz de ser ovo”. 
         A confusão que ele fazia, a dúvida que ficava, era simplesmente pelo detalhe de a galinha ter a cor preta.
         Era capaz de fazer um mandado, desde que a gente não complicasse as coisas. Exemplo: se o mandassem ao boteco da esquina comprar uma carteira de cigarros, ele ia, fazia a compra e tudo bem. Agora se dissesse: compre o cigarro e depois vá até a farmácia para comprar tal remédio... Aí não dava certo, ele misturava tudo. Tinha que ser uma coisa de cada vez.
         Usava algumas expressões engraçadas. Quando vinha do rio conduzindo água, com aquelas duas latas penduradas num pau e colocadas no ombro, fazia isso com o maior cuidado, caminhava em passos bem lentos para a água não derramar e dizia:
         -  Aqui é no passo da coã, se não chegar hoje chego amanhã.
         Quando fazia referência à sua mãe, que já se encontrava bastante idosa, dizia:
         -  Pois é, enquanto eu tiver aquele “caquinho de mãe” tenho que trabalhar para ela.
         Dizia sempre que os nomes mais bonitos que ele achava eram:  “Joãobionguru”, “Facão de Soldado” e “Porto Nacional”. Razões para essa preferência não as dava e ninguém jamais as pediu.
         Acompanhou a nossa família para Teresina, onde conosco trabalhou por muitos anos. O seu maior desejo, o seu grande sonho era conhecer São Paulo, infelizmente não o realizou.
         Faleceu no Hospital Getúlio Vargas, onde foi internado com problemas cardíacos. Só eram admitidas visitas às quintas-feiras. Houve uma grande falha do hospital e um lamentável descuido nosso. Não fomos avisados de sua morte e quando chegamos lá o pobrezinho já havia sido sepultado.
         A sua bondade e a sua humildade devem nos perdoar por este pecado. O que vale é a memória...

Nenhum comentário: