O meu estimado amigo Moisés Coelho merece um lugar de destaque nesses “ Flagrantes” que estou registrando, com a única finalidade de deixar gravada alguma coisa desta nossa rápida passagem por este mundo.
Em sua porta se formava todos os dias, o que bem poderíamos chamar de “Assembléias Gerais da Cidade”. Reuniões permanentes de amigos, onde eram tratados os mais variados assuntos. Desde a situação econômica do País ao mais corriqueiro acontecimento da cidade. Até o dasarmamento mundial, as grandes questões internacionais, tudo era tema para as nossas intermináveis conversas.
Quando eu ia chegando por lá, perguntava logo:
- Já foi lida a ata da sessão anterior? Diante da resposta descontraída dos amigos, entrava na conversa para também dar o meu recado.
A figura central era sempre o Moisés, que recebia a todos com distinção e carinho. Quando ele não podia comparecer, por um motivo qualquer, aquelas “rodadas” perdiam muito do seu valor.
Lembro-me de uma vez que eu estava lá quando chegou o nosso amigo José Nunes Filho, conhecido em Balsas como “Paulo Boiadeiro”, comerciante bastante popular. Depois de alguns minutos de conversa Moisés lhe perguntou:
- Paulo, você quer me comprar um gado que tenho acolá ?
Ao que o Paulo respondeu de pronto:
- Seu Moisés, pelo amor de Deus não me fale em compra de gado. Não quero nem ouvir falar de tal coisa. Olhe, nós estamos em outubro e eu só quero falar de negócios com gado depois do Carnaval, lá para o mês de março, mais ou menos.
O Moisés respeitou o seu ponto de vista, mas, depois de poucos minutos voltou ao assunto, recebendo a mesma resposta negativa.
Como já estava ficando um pouco tarde, resolvi sair e deixei os dois na animada conversa.
No dia seguinte perguntei ao Moisés:
- Como é que ficou aquele negócio do gado com o Paulo? Ao que me respondeu:
- Comprou tudo e já me pagou direitinho...
O mais engraçado é que nenhum deles tinha visto o gado. Era tudo na base da confiança mútua.
Em outra oportunidade eu estava lá. Era um sábado, mais ou menos às dez horas da manhã. O Dr. Wagner, filho do Moisés, que é medico em Uruçuí, estava ultimando os preparativos para seguir para aquela cidade, já com bastante atraso, quando chega um seu amigo e pergunta:
- Doutor Wagner, quando é que o senhor vai para Uruçuí ?
A resposta do Wagner foi imediata, não levantou nem a cabeça, parece que já estava tudo engatilhado:
- No próximo domingo, sem falta.
- Pois doutor, quando for domingo de madrugada estarei batendo aqui na sua porta. Eu preciso ir lá para tratar de um negócio.
- Pois não, amigo velho, pode contar comigo, disse o Wagner.
Admirado de toda aquela conversa, perguntei ao Wagner:
- Rapaz, você vai mesmo não é hoje? Ao que ele respondeu sem pestanejar:
- Eu vou é nesse minuto, estou de saída, mas se eu disser isto a ele a minha viagem fica mais atrasada ainda e eu vou faltar com os meus compromissos.
O que me admirou foi a calma e a presença de espírito do Wagner. Coisas que acontecem em Balsas...
Um dia eu estava lá na famosa rodada e assisti a uma do Moisés que me deixou “de queixo caído”. Estávamos em animada palestra, quando já no fim da tarde vai passando um menino “tocando” uma vaca que, por sinal, foi o animal mais magro que já vi em toda a minha vida. A bicha estava que não conseguia ficar em pé, de tão fraca.
Ele perguntou de quem era a vaca e propôs comprá-la oferecendo cinco mil cruzeiros. Na minha santa ignorância para fazer negócios, tive a nítida impressão de que o meu amigo estava cometendo uma loucura, pelo aspecto em que se apresentava aquele animal. Puro engano de minha parte. O homem comprou a vaca, mandou dar uma boa ração, bastante água. No dia seguinte, bem cedo perguntei:
- Moisés, aquela vaca amanheceu viva? Ele me respondeu todo vitorioso:
- Já passei pra frente, por dez mil cruzeiros. Você não sabe fazer negócios, seu Alberto.
E não sei mesmo, confesso. O tino comercial já nasce com a gente, não se aprende nas escolas, por mais esforço que se faça. Pode ser aperfeiçoado na própria vida...
A política local estava sempre presente naqueles agradáveis encontros. Foi lá que eu tive a satisfação e a honra de fazer a reaproximação entre os meus grandes amigos Moisés e Bernardino, que estavam politicamente rompidos desde a última campanha.
A aliança política entre o Bernardino e o nosso deputado Francisco Coelho, também foi firmada ali, no meio daquela gente amiga. Não fosse o prematuro desaparecimento do Bernardino, tenho certeza de que os dois unidos seriam invencíveis politicamente em Balsas. A fatalidade não permitiu que tal acontecesse.
Desejo aproveitar esta oportunidade para registrar com muito prazer o nome de vários amigos que eram possuidores de “cadeira cativa” naquelas agradáveis reuniões. Quem me vem assim à memória, são os seguintes:
- Júlio César Pires Coelho, ou simplesmente Dr. Júlio, um grande amigo das coisas do sertão. Amante da poesia sertaneja, que declama com perfeição. Participante infalível e “papo” agradabilíssimo.
- José Joci Barbosa, titular do Cartório do 1º Ofício, um dos homens importantes da cidade, muito bem informado sobre os assuntos atuais, visto que lê diariamente os jornais do Rio e de São Paulo.
- Francisco Florentino, um dos mais antigos moradores da cidade, jamais deixou de “assinar o ponto”, sempre com muito agrado para todos.
- Luís Gonzaga da Silva Filho, nosso querido e estimado “Gonzaguinha”, especialista em assuntos locais, visto que conhece praticamente todos os habitantes da cidade.
- José Nunes Filho, conhecido por todos como “Paulo Boiadeiro”, grande comerciante, infelizmente desaparecido tragicamente em trágico desastre automobilístico.
- Wagner Pires Coelho, grande médico residente em Uruçuí, mas, filho de Balsas e infalível freqüentador da rodada quando está na cidade.
- Antônio Pires, meu grande amigo, comerciante e político, também vítima de um lamentável acidente há pouco tempo.
- Flávio Pires Coelho Júnior, estava sempre de ouvido atento à rodada e de “olho vivo” na farmácia, para não perder o faturamento. Não sei para quem esse camarada puxa, tanta a tendência para negociar...
- Sebastião José dos Santos ou simplesmente “Tião”, ex-gerente do Bradesco, cargo que deixou para cuidar da agricultura e pecuária. Grande amigo das coisas do sertão. Apaixonado pela música sertaneja, especialmente a nordestina.
Desta rodada do Moisés tenho as mais gratas recordações. Poderia ficar aqui muito tempo relembrando coisas, fatos e acontecimentos do nosso velho e querido Balsas, passagens pitorescas e comentários de toda ordem. Aquilo lá era uma das coisas boas que existiam em nossa querida terra.
Muita gente dizia: - “eu soube na rodada do Moisés” e soltava a notícia, que logo tomava os mais diferentes rumos. Uns a favor, outros contra, não é assim?
Pois é, fica feito esse registro com a saudade imensa que sinto de tudo e de todos.
Como gostaria de continuar freqüentando ambientes tão agradáveis como esse. Mas não pude, a tempestade da vida nos separou...
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