Antônio Pereira da Silva - Cel. Antoninho ou simplesmente “Tunim”, para os seus numerosos netos.
Era um homem de grande inteligência, muitos conhecimentos, embora tenha tido pouquíssimo estudo em escolas convencionais. Um autodidata, na verdadeira acepção do termo. Bastante espirituoso, exímio narrador de casos, jornalista e poeta. Figura conhecida e estimada, não só em Balsas, onde morou a maior parte de sua existência, mas também em Carolina e em todos os lugares por onde andou. Este, em rápidos traços, é o perfil deste homem que viveu e lutou para manter com dignidade a sua numerosa e digna família.
São inúmeras as passagens de sua vida que merecem citação por aqui. Vou colocar a memória em ordem e ver se lembro de algumas para contar.
Certa vez ele voltava de uma viagem a Carolina, onde fez grandes amizades, ótimo relacionamento, incluindo entre todas Dona Nerina, pessoa de grande conceito naquela cidade, que lhe havia prestado muitos favores, motivo pelo qual lhe dedicava grande admiração. A viagem era feita a cavalo, com enorme sacrifício. Em determinado lugar ele viu uma garça voando e improvisou este pensamento, inspirado na grande saudade que sentia:
- Lá vai a garça voando, por cima da gameleira. Dá lembrança à Carolina, Nerina seja a primeira.
Quando esteve em Belém, certa ocasião, em busca de recursos médicos, no consultório do doutor, fez qualquer coisa que este não gostou. Com muita grosseria e falta de educação o médico disse:
- Matuto é um bicho que Deus deixou no mundo só para acabar com a paciência de médico.
O Tunim não contou conversa e sapecou-lhe esta:
- Pois é, doutor, e médico é um bicho que Deus deixou no mundo só para acabar com o dinheiro de matuto.
Em outra oportunidade estava em seu estabelecimento comercial e precisou de um canivete para determinado serviço. Procurou o diabo do canivete por toda parte e nada. Não havia jeito, o danado estava mesmo perdido. Aborrecido com o fato, foi até uma garrafa de aguardente que existia para venda a retalho, botou um “tiquinho” no copo e “virou”. Quando levantou a cabeça, para sua surpresa, descobriu o canivete que estava na parte de cima da prateleira. Saiu-se então com esta:
- Pois é, minha gente, uma cachacinha de vez em quando tem o seu valor, serve até para achar canivete perdido.
Estava um dia em animada conversa com amigos e sentia vontade de urinar. Saiu um pouco e ao voltar notou que havia molhado a roupa. Na mesma hora improvisou o seguinte:
- No tempo que eu era novo, mijava que nem canudo, hoje que estou velho, mijo perna, mijo calça, mijo tudo.
Realizava-se em Balsas uma determinada reunião e ele estava na portaria para controlar a entrada. Havia na cidade um cidadão de nome “ Atocar”. Chega um matuto, e sabendo que o mesmo estava lá dentro, disse erradamente:
- Seu Antoninho, eu queria ver seu Otocar.
Logo veio a resposta:
- Meu amigo, você não está vendo, com essa idade, não posso botar meu “O” pra tocar?.
Gostava de botar matuto pra bestar. Quando ia mexer com pólvora, para vender em pequenas porções, dizia:
- Cuidado rapaziada, quem estiver mascando por aí muito cuidado. Eu vou abrir a lata de pólvora.
Propositadamente fazia a ligação de masca com o cigarro, só para ver a reação. Era uma graça, só se via matuto tirando as mascas da boca e colocando-as atrás das orelhas.
De todas as histórias que ficaram do Tunim existe uma que eu considero muito importante.
Estava a loja cheia de matutos de toda parte. À certa altura dos acontecimentos um deles soltou um “traque” que empestou tudo. Um mal cheiro dos infernos. Ele ficou encabulado com o negócio e cismou de descobrir o autor da façanha.
- Matuto fio duma égua, eu vou descobrir quem é esse malvado, pensou.
Foi até o escritório, pegou um telegrama velho que tinha por lá, dobrou-o novamente e voltou fingindo grande animação:
- Meus amigos, tenho aqui uma ótima novidade para vocês !.
Nisso um “amarelinho” que estava lá no canto saltou logo:
- De que se trata, Coronel ?
E o Tunim explicou muito sério:
- É a respeito do couro do mambira, do “lapixó”. Está valendo mais do que o couro do gato maracajá.
Logo o amarelinho caiu na esparrela e sem querer descobriu tudo:
- Seu Antoninho, não me diga uma desgraça dessas. Ainda ontem matei dois lá em casa; comi a carne e joguei o couro fora, não sabia...
O Tunim então lhe passou uma lição de moral, naturalmente dentro do espírito de brincadeira:
- Pois meu amigo, você quando comer mambira em sua casa, por favor, vá soltar esses... no raio que o parta.
Todo mundo por lá sabe que quem come carne desse bicho fica com os intestinos em petição de miséria.
De outra feita encontrava-se na loja, comércio muito parado, a freguesia escassa, uma crise muito grande. Lá pelas dez horas da manhã apareceu um matuto e disse:
- Bom dia, seu Antoninho.
E o Tunim respondeu:
- Bom dia, amigo, o que é que anda comprando ?.
- Nada, respondeu o homem..
- Muito bem, anda comprando nada, não é ?
Mais tarde, lá para as tantas, chegou outro com a mesma conversa, os mesmos cumprimentos, mas, a esse o Tunim perguntou:
- O que anda vendendo, amigo ?
Ao que o matuto respondeu:
- Nada.
Aí é que vem o engraçado. O Tunim, com toda a calma e muita presença de espírito, disse:
- Pois muito bem amigos, vocês dois bem que poderiam negociar ali debaixo daquela mangueira. Um está comprando “nada” e o outro está vendendo “nada”, ambos certamente tem muito negócio a fazer, não acham ?
Um belo dia estava calmamente no seu escritório da loja, já no fim do expediente, depois de um dia de poucas vendas, quando chega lá o “Zé Tacha”, seu empregado, e disse:
- Seu Antoninho, está aí o seu Pedro Manivela, querendo fazer uma compra a prazo, para pagar a metade agora e a outra metade no fim do ano.
Na mesma hora o Tunim orientou o rapaz:
- Diga a ele que não posso vender fiado agora. A crise está muito forte e mesmo por que vou fechar o balanço, desculpou-se.
O empregado transmitiu o recado ao freguês:
- Seu Zé, diga para o Coronel que ele me conhece, que é o Pedro, lá dos Gerais.
Quando o Tunim recebeu a nova investida, disse logo:
- Pois volte lá e diga pra ele que eu não vendo fiado é justamente por que eu o conheço, e muito bem.
Ora, tratava-se do maior velhaco da região, desses que não pagam nem promessa... Gostava muito de escrever. Fez um poema com todas as cidades, vilas e povoações do Maranhão, e ainda oferecia um prêmio para quem descobrisse uma que não tivesse sido incluída. Infelizmente não tenho essa peça para transcrever aqui. Ainda cheguei a vê-la, parece-me que em poder do Alexandre. Deixaram escapar essa.
Certa vez acordou às altas horas da noite depois de, em sonho, ter feito esta belíssima oração. Mais tarde escreveu e a transmitiu aos seus:
- Ave Maria, Mãe piedosa, Mãe Carinhosa, Mãe de Alegria. Favorecei-nos por piedade, Mãe de Bondade, Ave Maria.
É ou não é uma obra-prima? Eu, particularmente, acho.
Faleceu em Carolina, de repente, vítima de um violento ataque cardíaco. Estava trabalhando, sentiu-se mal, foi para a casa e morreu antes de receber qualquer socorro médico. Seu corpo foi velado na residência de Nerina, sua grande amiga.
Lá estão seus restos mortais e na minha mente a sua agradável lembrança, que só desaparecerá quando eu me for também.
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