quarta-feira, 29 de junho de 2011

JUVENTUDE

         Chegando a Teresina no ano de 1934, e ficando hospedado na residência de amigos, como disse acima, consegui inscrição no Colégio Diocesano, sob a direção do padre Nonato, onde fiz o exame de admissão obtendo classificação para matrícula no primeiro ano do ginásio. Cursei até o segundo ano, transferindo-me para o Liceu Piauiense, por se tratar de ensino gratuito.
         Lá fiquei até 1938. Já estava fazendo o quinto ano do ginásio, quando, mais ou menos em outubro, fui envolvido no famoso caso “Demerval Lobão”, que era Inspetor Federal do Liceu, uma revolta de alunos contra essa autoridade. Ainda hoje me considero vítima de um grande erro judiciário, visto como, acusado de ter participado da referida revolta, não consegui provar minha inocência. Vivíamos época de ditadura, neguei e ainda hoje nego ter participado de tal movimento, mas tudo foi em vão. Respondi a inquérito administrativo, o qual, conduzido fraudulentamente, fui, justamente com mais cinco colegas suspenso por um ano, perdendo o ano letivo. Inicialmente foi um verdadeiro horror, embora mais tarde este acontecimento tenha sido de grande valia para mim, conforme explicarei mais adiante. Uma vez perdido o ano, no início de 1939 fui passar uma temporada em Balsas, na residência dos meus tios Cazuza e Ritinha, em companhia dos primos mais chegados, temporada da qual tenho muito a dizer. Foi tudo maravilhoso.
         Esta temporada em Balsas foi efetivamente extraordinária para mim. Participei de muitas festas carnavalescas e do tipo de diversão para um jovem de vinte anos, completamente irresponsável  e em gozo de plena saúde.
         Quando estava no melhor da festa, recebi um telegrama mandando que voltasse imediatamente para Teresina, visto como, estava matriculado na quinta série do Colégio de São Luís, dirigido pelo professor Luís de Morais Rego, um dos maiores educadores que conheci em toda a minha vida. Daí eu ter dito, linhas atrás, que aquele acontecimento de suspensão ter sido de grande valia para mim. Efetivamente, o ano que passei interno no Colégio de São Luís, foi uma das melhores coisas acontecidas em toda      a minha vida. Mudou completamente o panorama de tudo.
         O professor Luís Rego, dando mostras de ser um verdadeiro educador, dotado de todas as qualidades para tal, recebeu-me muito bem, dando-me completo apoio, e  por ser o único interno da quinta série fui indicado para “Bedel” da turma, com amplos poderes. Passei a trabalhar na secretaria do colégio, aprendi muita coisa. Posso dizer sem medo de errar que apenas nesse quinto ano de ginásio, aprendi muito mais do que em todos os anos anteriores. É aquela velha história de que há males que vêm para o bem. Neste caso a coisa funcionou maravilhosamente.
         Jamais poderei esquecer a entrevista que tive com o professor Luís Rego no dia da minha chegada. As suas palavras foram as de um verdadeiro sábio, um grande mestre, um grande condutor de jovens. Disse-me ele:
         - Meu caro jovem, o seu cartão de visitas não é bom, o senhor vem de uma suspensão de um ano no colégio onde estudava. O senhor foi vítima de uma grande injustiça, eu conheço o caráter de uma pessoa à primeira vista. Estou tranqüilo, certo de que a sua conduta aqui vai ser exemplar, não tenho dúvidas.
         Para que lição melhor do que essa?  Palavras que tiveram efeito altamente positivo. Correu tudo muito bem.
         Terminando o ano em São Luís voltei para Teresina, onde fiz o Curso de Técnico em Contabilidade na Escola de Comércio do Piauí, dirigida pelo professor Moacir Madeira Campos, outro educador de grande valor.
         Trabalhei no IAPC até 1949, exercendo as funções de Praticante de Datilógrafo a Contador Seccional, ocasião em que adoeci gravemente, vítima de tuberculose pulmonar, tendo seguido para tratamento na cidade de São José dos Campos, São Paulo.
         Teresina foi palco de grandes e inesquecíveis acontecimentos de minha vida. Dentre eles destaco com muita satisfação o meu namoro, noivado e casamento. É interessante confessar aqui que o nosso namoro só começou depois da terceira advertência feita pela minha Mãe, no sentido de que não desejava que o mesmo se efetivasse. Fui chamado por três vezes às falas pela Mamãe, pois, dizia ela:
         - Não posso admitir esse “piseiro” aqui em casa  . Era uma expressão que ela usava sempre, naturalmente querendo evitar um namoro, que, no seu entender, jamais poderia dar certo.
         Depois de severamente advertido pela terceira vez é que veio a decisão de começar tudo. Até então não havia namoro algum. Chamei a Zisile e consultei se ela desejava “enfrentar a parada”. Corajosamente ela disse sim, e daí para frente começou a verdadeira batalha. Oposição cerrada por parte de quase toda a família e a decisão firme de nossa parte em levar tudo até o fim. Graças a Deus a vitória final foi para o nosso lado, visto como, casados desde 1945, atravessamos toda sorte de dificuldades, com altos e baixos, podendo nos considerar um casal feliz. Uma família normal, de nível médio, dentro dos padrões normais das famílias brasileiras.
         Mais adiante, na parte deste relato que falarei sobre “Flagrantes do Piauí”, procurarei abordar outros temas, outros acontecimentos vividos naquela cidade que marcaram bastante as nossas vidas.
         De Teresina, em agosto de 1946, segui para São José dos Campos em busca de recursos médicos, visto que me encontrava acometido de tuberculose pulmonar. Tínhamos pouco tempo de casados, começando a vida quando fomos pegos por este vendaval. A Zisile ficou em Teresina e eu segui para a companhia de minha Mãe. Em março de 1947 chegava a Zisile para enfrentar, possivelmente, a mais dura luta de sua vida. Uma jovem de vinte anos de idade, ainda sem experiência, recentemente saída do seio de sua família, para tomar conta do marido, do cunhado Titina e de mais um amigo da família (Bernardino Aquino), todos com os pulmões em petição de miséria. Lutou galhardamente e venceu tudo. É mais do que justo deixar aqui expressa a minha gratidão por tudo que ela tem feito por nós. Nas horas vagas, em São José dos Campos, ainda sobrava tempo para dar assistência a mais dois doentes que conhecemos por lá (Urbano Portela e Sady Libânio, ambos do Piauí), internados no Sanatório “EZRA”. Foi uma verdadeira odisséia o período do tratamento, notadamente porque a Zisile enfrentou a fase mais difícil da luta sozinha, uma vez que a Mamãe teve que voltar a Teresina para atender a outros compromissos.
         Tudo passou e terminou bem, graças à coragem, dedicação, boa vontade, desprendimento e tudo mais que se possa dizer de uma criatura que tem vivido para servir a nossa família. Sempre com a melhor boa vontade, sem jamais ter demonstrado a menor fraqueza. Se alguém merece um lugar de destaque em nossa família, esse alguém se chama Francisca Amasile Pereira da Silva (Zisile), sem a menor sombra de dúvidas.
         É por isso que eu desejo terminar este tópico registrando estas palavras de agradecimento, fazendo votos ao Grande Arquiteto do Universo, para que sempre a ilumine e guarde.
         Muito difícil foi a luta em São José dos Campos. Trabalhei no escritório do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), na construção do asfalto entre São José dos Campos e Caraguatatuba. No começo da obra o escritório ficava em frente à minha casa, transferiu-se para a cidade de Paraibuna, de maneira que a gente tinha que se deslocar todos os dias pela madrugada, como verdadeiros “bóias-frias”. A Zisile preparava a marmita para eu levar todos os dias em caminhão do DER, trabalho estafante, mais que muito me serviu, uma vez que a aposentadoria era insuficiente para o sustento da família.
         Mais tarde organizei uma oficina mecânica denominada “Mecânica Pirk”, especialista em conserto de caminhões e máquinas agrícolas, trabalhos de torno mecânico e serviços gerais. Uma sociedade com o José Pirk, competente mecânico, que era dirigente da parte de serviços técnicos. Entrei com o capital e tomei conta da parte administrativa, escrituração contábil etc. Foi uma fase relativamente boa, mas, em virtude de notar que o sócio da indústria não estava cumprindo fielmente a sua parte, resolvi afastar-me da firma, passando tudo para o outro sócio, conseguindo livrar alguma coisa.
         Trabalhei como gerente do jornal “São Dimas” na paróquia do meu grande amigo e compadre Monsenhor Ascânio Brandão, um dos luminares da Igreja Católica no Brasil. Para se falar de Ascânio Brandão na Igreja Católica é necessário dizer que era um grande sacerdote, dotado de todas as qualidades para essa nobre missão. Jornalista, escritor, conferencista, passou ele a sua vida na pregação do Evangelho, escrevendo para jornais e revistas de todo o País, difundindo os seus ideais, que eram os mais nobres.
         Foi Ascânio Brandão quem resolveu construir a Igreja de “São Dimas”, a primeira do mundo, em cuja obra também colaborei com o meu trabalho e o meu entusiasmo. Penso que obtive completo êxito, tanto assim que tivemos a grande honra de ter gravado o nosso nome em um dos sinos do carrilhão daquela Igreja. Está lá: “Dimas”, "Sílvio" que era o engenheiro da obra e “Alberto e Zisile”, considerados eméritos colaboradores para merecerem tão grande honraria.
         Com o falecimento do Monsenhor Ascânio chegou o substituto, Padre Ernesto, completamente diferente do fundador da Paróquia. Homem de mentalidade acanhada, que não teve coragem de continuar com o jornal “São Dimas”, visto que não era jornalista nem possuía as qualidades de seu antecessor. No meu entender era o reverso da medalha. Era a diferença da água para o vinho. Padre Ernesto não deu prosseguimento ao extraordinário trabalho do Monsenhor Ascânio e as coisas desandaram completamente. Trabalhei poucos meses com ele e logo percebi que como é de praxe o novo Vigário tinha os “seus” para colocar. É uma coisa de rotina, não há o que reclamar.
         Afastei-me normalmente e parece que de sua parte também não houve mágoa, tanto assim que me ofertou uma Bíblia Sagrada, com a dedicatória: “Ao Alberto, com as bênçãos de Deus”. Estava assim encerrada mais uma etapa de vida, com a minha consciência tranqüila do dever cumprido.
         Antes de terminar este tópico, cumpre-me lembrar que foi o Monsenhor Ascânio que trouxe para o Brasil e divulgou bastante, a devoção à Santa Teresinha do Menino Jesus, tendo escrito até um livro sobre sua vida. Contou-me o Monsenhor Ascânio, que logo após a sua intensa caminhada pela divulgação dessa devoção, quando a mesma estava no auge, ele teve a sua saúde fortemente abalada por uma peritonite aguda. Às portas da morte, já desenganado pelos médicos, recebeu a visita de uma senhora de idade, devota de Santa Teresinha que, dirigindo-se a uma imagem da Santa em tamanho natural, existente no quarto do vigário, disse de frente para a mesma, de dedo em riste:
         - Olhe minha santinha, se a senhora deixar esse padre morrer agora, a senhora vai ficar DESMORALIZADA nesta terra. O desafio valeu. O Monsenhor não morreu e a devoção continuou firme. Fato verídico obtido na própria fonte.
         A temporada que moramos em São José dos Campos foi extraordinária, benéfica para nós. Todos os louvores a essa abençoada terra que, além da cura da grave doença, deu-nos também o nascimento dos filhos João Ribeiro e Getúlio Alberto, que hoje juntamente com a Lucinha e Zisile, compõem a nossa querida família.
         Trabalhei por pouco tempo na Prefeitura de Monteiro Lobato, como contador. Executava o serviço em casa, comparecendo lá apenas para pegar a documentação a ser contabilizada.
         Tinha o João Ribeiro apenas quatro anos de idade, quando resolvemos vender todos os objetos que tínhamos em casa, juntando com toda a nossa economia, para fazer um passeio ao Norte. Pegamos um avião em São Paulo com destino a Belo Horizonte, onde ficamos hospedados no hotel São Miguel, um dos melhores da época naquela cidade. Muita “mordomia” para quem não tinha costume de viajar a passeio. Isto foi no ano de 1956.
         De lá seguimos também de avião para Balsas, onde passamos uma ótima temporada em companhia de familiares, revendo amigos e parentes e gozando as delícias daquela terra maravilhosa.
         Depois dessa temporada pegamos um avião para Teresina, com a mesma finalidade: rever a terra, os parentes e amigos. De Teresina fomos de trem para São Luís, viagem feita ainda no tempo das locomotivas à lenha, fagulhas para todo lado, um verdadeiro “Deus nos acuda”. Houve até um princípio de incêndio que apavorou o João Ribeiro. Aos trancos e barrancos chegamos a São Luís, onde encontramos também muitos parentes e amigos.
         Em São Luís embarcamos no navio “ITAITÉ”, com passagens tiradas até Santos. Viagem maravilhosa que nos deixou grandes recordações. Tudo correu na mais perfeita ordem. Não desembarcamos em Natal por motivo de chuva. Visitamos Recife, onde encontramos uma tia muito querida (Doninha) e um primo legítimo (Pedro Alcântara Carvalho), que há muito tempo não víamos. Fomos muito bem recebidos. Conhecemos alguma coisa na cidade e tivemos uma idéia geral de tudo.
         Visitamos Salvador e Maceió, ligeiramente, apenas para conhecer os pontos principais. O navio ficou ancorado no Rio de Janeiro durante três dias, o que foi ótimo para nós, pois fizemos alguns passeios pela cidade, sem precisar ficar em hotel. No Rio aqueles passeios principais da Cidade Maravilhosa, inclusive tivemos oportunidade de conhecer o Estádio do Maracanã, assistindo o jogo entre o meu Fluminense e o Vasco da Gama, no qual o Fluminense perdeu por 3 x 2, depois de estar ganhando por 2 x 0. Foi horrível o resultado, o jogo em si foi muito bom e o passeio melhor ainda. No dia em que o navio deveria seguir para Santos, desembarcamos no Rio de Janeiro e seguimos de ônibus até São José dos Campos, para ganhar tempo.
         A viagem já estava muito longa e os recursos muito curtos. Desta viagem temos as melhores recordações. Para dizer a verdade, não houve um só acontecimento que pudesse provocar tristezas, tudo foi alegria.
         Tudo isso foi em 1956. Pergunto eu: será que hoje, em 1991, um cidadão pobre, de classe média, poderá fazer a mesma coisa? Duvido muito. Posso até afirmar com convicção que é impossível. Mas “não faz mesmo!”.
         A verdade é que nós fizemos, chegamos a São José dos Campos sãos e salvos, prontos para recomeçar tudo de novo, o que foi feito. Ficamos lá até dezembro de 1960, quando resolvemos a nossa transferência para Fortaleza. Mas aí é outra história que contarei daqui para a frente. Outros acontecimentos de São José serão contados nos “Flagrantes de São Paulo”, um dos seguimentos deste relato.
         Durante os quatro anos que ainda permanecemos em São José dos Campos procuramos recompor a nossa vida, um tanto ou quanto abalada pelos gastos do passeio feito ao Norte.
         No dia 8 de março de 1958 houve dois acontecimentos de grande significação para nós. Primeiro a chegada de nosso filho Getúlio, fato que trouxe para nós muitas alegrias, o que é muito natural. O nascimento de um filho é acontecimento marcante. Segundo a minha admissão na Loja Maçônica “Duque de Caxias 3a”, pertencente ao Grande Oriente do Brasil, onde fiz ótimas amizades  que até hoje guardo com muito carinho. Ajudei no que me foi possível; contribuí para a organização do Estatuto e do Regimento Interno; trabalhei na construção do Templo. Enfim, dei a minha parcela de contribuição para o progresso da Ordem. Entre os “irmãos” sempre reinou a maior harmonia. Tenho a mais grata recordação de todos. Ainda hoje (13 de setembro de 1991) sonho tomando parte dos trabalhos da Loja, discutindo assuntos gerais, conversando com os “irmãos”. E, quando acordo, sinto imensa saudade daqueles bons tempos que jamais voltarão. É a marca inexorável do tempo.

Nenhum comentário: