segunda-feira, 4 de julho de 2011

POBRE NÃO TEM VEZ

Quem trabalha em estações de rádio e de televisão, obrigatoriamente tem que se acostumar com certas particularidades que existem por lá, pois no meio artístico acontece de tudo. Normalmente estamos nos deparando com pessoas inteligentes que, pela própria natureza do trabalho, fazem coisas que o comum dos mortais não faz.
A TV Educativa não poderia fugir à regra. Quando trabalhei lá fiz ótimas amizades, dentre elas, o meu inesquecível amigo Ubirajara Cunha, primo legítimo do grande Quintino Cunha, tão conhecido dos cearenses.
Espirituoso, inteligente, poeta repentista, boêmio muito querido de todos, o Bira, como ficou conhecido, era uma figura verdadeiramente admirável, para tudo tinha uma saída engraçada.
Certa ocasião estava o Bira na fila do Banco do Estado do Ceará, para receber os seus vencimentos, quando observou ao seu lado uma senhora reclamando pelo fato de estar em pé e sugeriu que deveriam colocar bancos ao redor do salão para os clientes sentarem. O Bira então se saiu com esta:
- É, Dona, aqui no banco devem colocar bancos. Se for na Caixa, deveriam botar um bocado de caixas de querosene, não é mesmo?
O Bira estava sempre me contando coisas engraçadas. Um dia chegou reclamando de sua mulher, dizendo que a mesma vivia lhe fazendo perguntas cretinas. Veja algumas delas:
- Ora, Seu Alberto, eu chego em casa às duas horas da madrugada, vindo do expediente noturno da TV, bato na janela e lá vem a desgraçada:
- É o Bira, “tu já chegou”?
- Cheguei não mulher, ainda estou lá... Não é para fazer raiva?
Em outra ocasião eu acabo de tomar banho, completamente molhado, e tenho que escutar a pergunta:
- Bira, tu quer uma toalha?
- Não mulher, eu quero é uma lata d’água para jogar na cabeça. Diga-me se isso não é para endoidar qualquer um?
O nosso querido Bira foi admitido para exercer a função de pintor, mas de pintura mesmo ele não entendia coisa nenhuma. Conseguiu aquele emprego como forma de ajuda para compensar um pouco os sofrimentos que teve na vida.
Ele contou-me que sempre foi um boêmio, sempre gostou de levar a vida aproveitando as coisas que julgava boas, sem ligar muito para dinheiro, sem grandes preocupações com as coisas materiais. Foi rico por algum tempo, visto que o seu pai faleceu e lhe deixou muitos bens, adquiridos em trinta anos de trabalho. Dizia ele:
- A parte que me tocou na herança eu esbagacei em pouco mais de três anos. Vendi todas as casas e terrenos e o dinheiro foi embora em um instante.
O meu outro irmão, que ficou também com muita coisa, esse ainda é rico até hoje.
O Bira gostava de fazer piadas com os acontecimentos mais simples. Todas as vezes que ia receber dinheiro no BEC, fazia questão de vestir uma bermuda por debaixo da calça. Na hora que recebia o dinheiro, em plena fila do Banco, baixava a calça até o chão, fingindo que estava sem cueca, e colocava a grana no bolso da bermuda. Todos ficavam olhando e rindo do seu jeito. Um dos assuntos prediletos para suas brincadeiras era contar histórias envolvendo pobres e ricos. Dentre muitas que me contou, gravei esta que achei muito boa. Dizia ele:
- Seu Alberto, pobre não tem vez. Pobre nasceu só para sofrer, e tanto faz aqui na terra como lá em cima. Veja bem: morreram no mesmo dia um homem muito rico e outro muito pobre. Chegando ao Céu foram recebidos por São Pedro. Uma entrevista, uma espécie de teste. O rico foi logo dizendo que a sua vida foi sempre uma zorra, álcool mulher e música. Tudo de bom usufruiu. Pois bem, disse São Pedro, você agora vai para aquele barril que está ali, cheio até a tampa de fezes. Lá foi coitado, ficando somente com a cabeça de fora. O pobre então passou a contar as suas desventuras: eu sempre fui pobre, São Pedro, trabaiando na roça, família muito grande, muié doente, uma desgraça total. Pois bem, disse São Pedro, vá ali para aquele barril que estava cheio com o melhor mel que existe no Paraíso. O pobre se alegrou bastante com o fato e começou a fazer gozação com o rico:
- Ei, amigo, a coisa aqui é bem diferente, não acha? Não fechou a boca e chegou o anjo Gabriel com a seguinte ordem: de cinco em cinco minutos, os dois têm que sair e um tem que lamber o outro...
Cadê a vantagem do pobre?
É isso mesmo, seu Alberto, pobre não tem vez. Alegria de pobre dura pouco.
Deixo aqui registrada esta minha humilde homenagem ao amigo Ubirajara Cunha, o Bira, que teve sua última etapa de trabalho na TV Educativa, onde deixou muitas amizades, tendo sido estimado por todos, pela maneira como conduziu a sua vida.
SOBRE O PRECONCEITO

Falar de pobreza e cor
É um grande orgulho seu
Morra eu e morra o nobre
Enterre-se o nobre e eu
Que depois ninguém separa
O pó do rico do meu.

(De Domingos Fonseca, cantador piauiense)

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