segunda-feira, 4 de julho de 2011

O COMPADRE “PÉ MOLE”

É uma coisa interessante, essa mania que o povo do interior tem de colocar apelido nas pessoas. Na minha velha e querida Balsas, chega às raias do absurdo. Em alguns casos as pessoas simplesmente mudam de nome e ficam conhecidas a vida inteira pelo nome que o povo resolveu lhe dar.
Existe por lá o caso do meu parente e amigo Luiz  Pires, hoje um dos homens mais ricos do Estado do Pará, grande criador, cidadão possuidor de tino comercial fora do comum, desde menino dedicado a negócios, e que graças a isso conseguiu formar um grande patrimônio. Pois bem, acho que pouca gente sabe que o seu verdadeiro nome é Luiz Pereira Martins. Tenho a impressão de que até ele mesmo hoje em dia estranha, se lhe chamarem pelo seu real nome de batismo.
Outro caso interessante e que me vem a memória, é o do nosso saudoso  Paulo Boiadeiro, que faleceu em lamentável desastre automobilístico, deixando nos todos consternados, Chegou na cidade e começou a negociar com gado, diversificando depois para muitas outras atividades. Mas o seu nome ficou mesmo por Paulo Boiadeiro, embora na pia batismal tivesse recebido o nome de José Nunes Filho.
Citei apenas esses dois casos, só para ilustrar  este comentário, mas, existem dezenas de casos iguais, de criaturas que o povo  resolveu trocar  o nome e esqueceu o verdadeiro.
Agora, o pior é quando se apela para apelidos explorando defeitos físicos ou fatos acontecidos na vida de cada um. Esses apelidos geralmente passam de pais para filhos e depois de cair na boca, do povo não tem cristão no mundo que dê jeito.
Lembro-me do velho Benedito Carga Torta. O pobre homem tinha um defeito na espinha dorsal e por esse motivo ficou com esse apelido por toda sua vida e ainda o passou para toda a família.
Raimundo Bota. Logo que saíram as primeiras botas dessas de borracha, o nosso amigo comprou um par e começou a passear pela cidade, logo recebendo esse apelido que o acompanha até hoje e veio morrer com ele, não teve outro recurso.
Chico – Cara de Cabaça – esse eu não conheci pessoalmente, só de nome. Deve ser um cabra feio para desgraça. Na sua juventude, furou uma cabaça para nela meter a cabeça e descer o rio todos os dias, passando pelo porto onde as mulheres tomavam banho em trajes de Eva. Foi descoberto porque um dia a cabaça estava  subindo o rio, portanto contra a correnteza. Pisou na bola, como se diz, o assunto se tornou público e ainda hoje está lá o cara de cabaça para contar a história.
O Boca-Rica, esse trabalhou por algum tempo nos garimpos, conseguiu algum dinheiro e mandou encher a boca de dentes de ouro e por isso vai ficar como boca-rica para sempre. O Bêta, acho que não existe figura mais conhecida em Balsas. Ultimamente passei quatro anos por lá, mas não consegui descobrir o seu nome verdadeiro.  Agora se perguntarem pelo Bêta, todo mundo sabe. O Bila, rapaz inteligente, trabalhador, tem curso de mágica, é juiz de futebol, conhecido demais em toda a cidade, mas o seu nome de batismo é segredo. Todas as situações vieram para que eu possa contar um acontecimento incrível que se deu comigo.
Como é que pode um cidadão não reconhecer a pessoa por um retrato e identificá-la na mesma hora por um apelido? Foi assim:
O meu irmão João Ribeiro, que mora em São Paulo há mais de quarenta anos, resolveu me fazer uma visita quando estive em Balsas. Aproveitou o mês de julho, época em que o nosso rio Balsas está com suas águas claras como o sol meridiano. Demonstrou o desejo de subir até o Canto Alegre e de lá descer o rio ao sabor da correnteza. Diga-se de passagem, uma das coisas mais agradáveis que existem por lá, que deveria ser melhor aproveitada, como verdadeira atração turística. Na falta de uma bóia de borracha resolveu pedir emprestada a um amigo duas portas feitas de talos de buriti, um tipo de madeira que flutua, muito comum na região. Ao voltar, devolveu essas duas portas ao amigo e em conversa com ele disse que morava em São Paulo. Bateu uma fotografia do mesmo e prometeu que a mandaria de lá. Na hora o amigo disse que não acreditava na promessa. O João cumpriu fielmente o que prometeu. Mandou por meu intermédio uma bela fotografia, muita bem tirada e revelada, embalada em um envelope com todo o cuidado para não sofrer qualquer dano. Escreveu-me uma cartinha pedindo-me para que eu entregasse a referida fotografia a um senhor cujo nome não sabia, mas que era conhecido por Pé Mole. Era uma fotografia 18 x 24, que mostrava o cidadão na porta de sua casa, que me disse mais ou menos onde ficava. Ao chegar perto, encontrei-me com um cidadão de boa aparência, a quem mostrei a fotografia e perguntei se o mesmo conhecia aquela pessoa. Resposta negativa. Depois de olhar muito bem, deixou claro que não conhecia. Aí é que entra a história. O meu irmão disse que é um cidadão conhecido por Pé Mole. Depois dessa informação, retrucou de imediato aquele sujeito:
- “Ah, é o compadre Pé Mole, é meu vizinho e amigo há mais de trinta anos, mora bem defronte da minha casa”.
Vejam só, não conheceu o homem pelo retrato, mas o identificou imediatamente pelo apelido. Balsas tem essas coisas. 
  

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