segunda-feira, 4 de julho de 2011

NOSSOS CARNEIROS


Quando eu estava escrevendo a primeiras páginas desse caderno de memórias, enviei algumas para o meu irmão Aluizio, que hoje é Desembargador aposentado e reside em São Luís, de quem recebi uma atenciosa carta elogiando o meu trabalho, e sugerindo que escrevesse alguma coisa que  estava em sua mente e que gostaria de ser relembrada visto que faz parte de nossa infância, época feliz que passamos em Balsas, no verdor dos anos, quando tudo era alegria e prazer. Disse ele:
- Alberto, escreve alguma coisa sobre os  “nossos carneiros”.

Sim, naquele tempo parece-me que as crianças eram mais felizes, embora não conhecessem muitas maravilhas que hoje são comuns. Não tínhamos televisão, nem computadores, nem rádio, nem mesmo a energia elétrica tinha chegado a nosso conhecimento, mas, assim mesmo desfrutávamos de paz e alegria e fomos crianças felizes.

Cada menino tinha o seu carneiro de estimação, os quais viviam agrupados, pastando nas principais praças de nossa cidade, inteiramente livres. Um dia chegou um Prefeito renovador que nos aplicou um tremendo golpe: Decreto proibindo terminantemente a permanência de carneiros na cidade. Todos transferidos para a Tresidela. Não houve apelos que conseguissem convencer aquele prefeito. Fato consumado, revolta geral da meninada.     

Daquele dia em diante, para brincar com os carneiros tínhamos que atravessar o Rio Balsas em canoas pertencentes ao seu Chiquinho Caboré , pagar a exorbitância de dois tostões, pela travessia de ida e volta, com a obrigação de soltá-los novamente no mesmo local. Tudo isso dificultou a nossa vida, mas, os passeios de carneiro continuaram por muitos anos ainda.

Lembro-me  que cada carneiro era conhecido pelo nome de seu dono: carneiro do Aluízio - o mais arisco de todos -,  o que mais dava trabalho para ser pegado. Carneiro do Alberto, aquele que tinha o rabo grosso e que um dia quase ficou cego devido a uma pancada que lhe dei por não querer andar com mais desenvoltura. O carneiro do Antônio era um dos melhores para “puxar guia”. Era a facilidade que tinha para andar na frente dos outros, pois sabemos que os carneiros andam melhor quando tem um que vai na dianteira. Carneiro do Braulino Barbosa do qual tinha o maior ciúme, não permitindo que ninguém montasse nele. Tivemos muitas brigas com o Braulino, em virtude de sua intransigência.

Agora meus amigos, o Carneiro do Fares Bucar. Sobre este vou revelar aqui um episódio que bem demonstra o quanto muda a mente das pessoas quando adquirem a idade da razão. Um dia fomos surpreendidos com a presença de um dos nossos carneiros com um grande corte em um das orelhas. Investigação para apurar o autor da terrível façanha. Depois de marchas e contra-marchas, chegamos à conclusão de que foi o nosso amigo Fares, o autor daquele delito que tanta revolta nos causou .

Logo planejamos a vingança, que deveria ser implacável. Íamos pegar o carneiro do Fares e levar para o nosso quintal, praticar o “trabalho” com toda calma e segurança. Acho que a idéia foi minha, não me lembro desse detalhe, o fato é que eu e o Aluízio pegamos o carneiro, amarramos o animalzinho, depois fizemos uma pequena fogueira na qual esquentamos um fio do telégrafo dobrado e quando este se encontrava em brasas, levantei o rabo do pobrezinho e queimamos a traseira do coitado. No dia seguinte foi um Deus nos acuda.

Fiz questão de narrar este episódio, só para demonstrar como mudam as pessoas quando se tornam adultas. Quem de nós seria capaz de praticar um ato dessa natureza com o pensamento que temos hoje? Respondo sem a menor excitação: nenhum.
Está aí, Aluizio, o relato que você sugeriu. Não sei se saiu como você queria. De minha parte, dentro de minhas fracas limitações, fiz o que pude.     

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